Helena Mendes: “Depois de me retirar senti que tinha que continuar a transmitir o que me tinham ensinado”

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Antiga pivô da Seleção Nacional tem uma carreira ligada à Madeira, enquanto jogadora e treinadora e revelou a importância da região para o crescimento e desenvolvimento do andebol.

Helena Mendes, conhecida no mundo do andebol como Milena, rumou à Madeira no ano em que entrou na Faculdade e nunca mais abandonou a região. Em entrevista a antiga pivô, que conta com 127 internacionalizações por Portugal, recordou a mudança para fora do continente e a forma como acabou por se estabelecer na região, sempre ligada ao andebol.

Passado: 127 jogos com a camisola de Portugal

Antes do andebol, esteve ligada a outras modalidades e chegou inclusive a ser federada. Como é que acabou por se dedicar ao andebol?

“Eu tive alguma vivência desportiva antes de começar no andebol. Comecei no atletismo, perto da zona onde vivia em Lisboa, depois pratiquei basquetebol no desporto escolar e fui federada em judo, apesar de ter sido apenas durante um ano. Nessa altura surgiu a hipótese de ir para o andebol através do convite de uma ex-jogadora do CDUL, que já era senior e que, numa colónia de férias, viu algumas qualidades em mim por eu ser alta e ter algumas características física adequadas à modalidade. Acabei por ir experimentar o andebol no CDUL com 14 anos e nunca mais saí.”

Começou com 14 anos. Sente que começou a jogar andebol com a idade certa?

“Hoje em dia seria tarde começar com essa idade e, estando ligada à formação como treinadora, tenho noção de que não seria a idade indicada. Temos atletas que começam com essa idade mas já tinham sido federados noutras modalidades, por exemplo, quem começa no andebol depois de ter praticado basquetebol durante 5 ou 6 anos não terá tanta dificuldade. Na altura, para mim foi suficiente, tanto é que aos 17 anos já estava na Seleção Nacional, o que quer dizer que alguma coisa foi bem feita para ter lá chegado tão rápido (risos).”

Apenas 3 anos depois de ter começado a jogar foi chamada à Seleção Nacional. Recorda-se do que sentiu nesse momento?

“Perfeitamente. Havia uns centros de treino na Ajuda e eu, juntamente com mais 20 atletas, íamos lá treinar para depois podermos ser selecionadas ou não. Foi aí que tudo começou. Acabei por receber a minha primeira convocatória para a Seleção Nacional de Juniores, para uma Taça Latina e comecei a ser selecionada com regularidade. Nessa altura, pelo facto de uma grande pivô – a Vitória – ter terminado a carreira, surge a hipótese de integrar o estágio das seniores. E a partir daí foi até aos 30 anos (risos), sempre a evoluir e a aprender com todos os treinadores que passaram por mim.”

É hoje um dos símbolos do andebol na Madeira e uma defensora da região. Foi difícil a mudança para lá fora do continente?

“No início custou um bocado ter de deixar a família e a nossa zona de conforto. Eu tinha entrado na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa e tive que pedir transferência para a Madeira e quando cheguei cá era tudo muito novo, viver sozinha, estar a entrar numa fase nova também na Universidade, foi tudo muito rápido. O primeiro ano não foi fácil e custou-me, principalmente na parte da família. Mas depois fui ganhando relações de amizade, com as minhas colegas de equipa e criei outra família aqui na Madeira. Não me arrependo de nada, voltaria a fazer tudo o que fiz e ainda bem que, na altura, apostei e apostaram em mim também. Fui muito feliz aqui.”

Sempre foi um objetivo permanecer na Madeira e fazer a sua vida lá?

“Não, mas depois as coisas foram acontecendo. Os anos iam passando, depois surgiu a parte final da carreira em que eu tinha que decidir em que ano deixaria de jogar. Entretanto surgiu o convite para ser adjunta do professor Filipe Calado e eu tinha duas propostas, ou de continuar a jogar ou de aceitar o convite para ser treinadora-adjunta e terminar a carreira nesse ano, com 30 anos. Nessa altura também queria ter filhos e pensei que era o ano ideal para deixar e começar a dedicar-me mais a sério à vertente de treinadora. Durante a minha carreira fui conseguindo conciliar a parte de jogadora e treinadora em alguns clubes e depois achei que aquele ano era o ideal para sair em grande e começar outra carreira.”

Essa questão do semi-profissionalismo, algo inédita para aquela altura na Madeira, foi bem aceite pela comunidade?

“Sem dúvida. Eu lembro de que, quando viemos para cá, era incrível sermos reconhecidas na rua porque a comunicação social dava tamanha importância ao andebol feminino e nós sentíamos esse carinho. Íamos na rua e as pessoas abordavam-nos, era muito engraçado e foram anos muito bons aqui na região, mas depois isso perdeu-se durante algum tempo. Nessa altura, a aposta feita pela região da Madeira no andebol feminino foi ganha, a todos os níveis.”

Fez 127 jogos por Portugal ao longo da carreira. Considera que foi uma referência para outras jogadoras?

“Eu penso que sim e pelo meu percurso de vida, não só desportiva como académica, ao longo dos anos. Também pelo facto de ter ido para a Madeira jogar e, nessa altura, os jogadores eram muito acarinhados. E como no andebol feminino ainda não se ouvia falar em jogadoras semi-profissionais (ou seja, uma atleta ir para a Madeira para ser paga para fazer aquilo que gostava), isso contribuiu para eu servir de modelo para outras jogadoras. Por exemplo, as atletas jugoslavas que jogavam na Madeira eram referências para nós (jogadoras portuguesas). Acho que houve uma evolução muito grande aqui na região também devido a isso, ao facto de terem ido buscar estrangeiras com qualidade.”

Que momentos é que não consegue esquecer como jogadora de andebol?

“São tantos! Nós fizemos um jogo que acabou 8-8 contra a Holanda, num Mundial. Isto parece um resultado de hóquei em patins, mas está gravado (risos). Nesse jogo eu marquei os dois últimos golos. A partir desse Campeonato do Mundo entrou em vigor o jogo passivo, até aí essa regra não existia. É um dos momentos que me marca mais, pela Seleção Nacional. Depois há outro, no clube – em que eu não me lembro bem do ano –  mas foi num campeonato que se decidia à melhor de três jogos. Nessa altura o Clube Sports Madeira e o Académico do Funchal lutavam pelo Campeonato Nacional e os três jogos terminaram empatados! O último jogo tinha que ser desempatado e nem depois de três prolongamentos o foi. Só através do desempate por livres de sete metros é que fomos campeãs, foi um jogo decidido ao pormenor.”

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Depois de ter retirado como jogadora ficou – e continua – ligada ao andebol. De certa forma, sente que era uma responsabilidade que tinha que assumir?

“Claro. E também porque a minha parte académica foi ligada a Educação Física e Desporto. Tenho colegas que nunca mais quiseram ficar ligadas ao andebol, mas eu senti logo que tinha que continuar a transmitir o que me tinham ensinado e a tentar formar atletas como fizeram comigo.”

Nos dias de hoje, a formação tem cada vez mais influência e importância nos resultados da equipa senior?

“Acho que uma boa formação é importante nos dias que correm, tal como era anteriormente. Hoje em dia falam em 10 anos até que os jovens atinjam o patamar do aperfeiçoamento, ou o escalão de seniores e eu acho que durante esse tempo, se eles conseguirem ter um desenvolvimento sem altos e baixos – ou seja, não serem estimulados precocemente – e terem um trajeto normal, conseguem lá chegar. De uma equipa de 20, se conseguirem que cinco deles cheguem aos seniores é ótimo.”

Que importância tem, para si, ser a embaixadora do projeto Andebol4Girls na região da Madeira?

“Aceitei esse convite de imediato, porque é um orgulho muito grande fazer parte de um leque de individualidades que a Federação escolheu para defender o andebol feminino e a mulher em termos gerais. Sinto um orgulho muito grande. Cada uma tem o seu papel e teve os seus desempenhos na modalidade e somos bons exemplos para as jovens que estão a começar agora. É uma iniciativa que nos permite encontrar mais mulheres ligadas ao desporto, não só para a função de atleta, mas também para cargos de chefia ou dirigentes. Nas minhas equipas, eu costumo convidar mães de atletas para ajudarem o clube que, às vezes hesitam em aceitar, mas depois acabam por gostar e fazem um trajeto normal no dirigismo. Mais uma vez digo que sinto um orgulho enorme por ter sido convidada para integrar o projeto Andebol4Girls e tenho pena que este ano não possamos desenvolver o projeto adequadamente, devido a esta situação da pandemia.”

Depois de ter deixado o andebol feminino, está há cerca de seis anos ligada ao andebol masculino. Acompanhou a prestação da Seleção Nacional no Euro 2020?

“Eu estive muitos anos destacada no Clube Sports Madeira, como coordenadora do andebol feminino e depois quis voltar a dar aulas. Nesse processo criei e um clube de Andebol federado na minha escola, tem apenas voleibol feminino e andebol masculino. Os meus filhos também jogam andebol e foi uma alegria imensa ver a Seleção a jogar. Todos nós cá em casa, nunca tínhamos dado tanta importância aos jogos da Seleção Nacional de andebol como aconteceu neste Campeonato da Europa. Foi uma campanha incrível.”

Considerando a evolução do andebol, hoje em dia que tipo de jogadora seria a Helena Mendes?

“Acho que seria a mesma (risos). A minha posição era pivô e todos os treinadores diziam que eu tinha uma grande capacidade defensiva. Hoje em dia, o andebol está cada vez mais rápido – o treino é diferente, adequado ao estilo de jogo atual – os jogadores de hoje têm de ser capazes de executar cada vez mais rápido, num ritmo maior, ter uma variedade enorme de ações que, na nossa altura, não era preciso. Hoje em dia, eu teria que treinar de uma forma diferente para me adaptar ao andebol atual. Tendo a noção do que fazia como jogadora e do que eu faço agora como treinadora, não tem nada a ver.”

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