João Jerónimo: “Por tudo que já passámos e ultrapassámos, não acredito que seja este vírus a deitar-nos a baixo”

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O capitão da Seleção Nacional de Andebol em cadeira de rodas acredita revelou que tem tido o dobro dos cuidados na prevenção da pandemia do novo Coronavírus.

Aos 32 anos, João Jerónimo carrega no peito a responsabilidade de ser o capitão da Seleção Nacional de Andebol em cadeira de rodas, pela qual se sagrou Campeão Europeu da modalidade em 2018 e vice-campeão no ano seguinte. Amputado desde os 15 anos de idade, o atleta natural de Leiria revelou, em entrevista, como é que têm sido as rotinas numa altura em que está a cumprir um período de quarentena devido à pandemia da Covid-19.

-De que forma é que esta situação pode afetar os atletas com limitações físicas?
A nível de carácter físico esta situação da pandemia não me afetou, por aí além, porque sou um amputado, mas acredito que tenha afetado muito mais outros colegas de equipa e de seleção, que são paraplégicos e têm as cadeiras de rodas. Acredito que seja um bocadinho mais difícil para eles uma vez que a mobilidade é mais reduzida do que a minha. Obviamente tenho alguns constrangimentos ao nível de mobilidade e acessos e outra coisa preponderante é o facto de nós, infelizmente, termos uma ferramenta a mais do que as outras pessoas ditas normais. Em alguns casos são as canadianas e noutros as cadeiras de rodas, que são mais uma coisa para desinfetar. É uma ferramenta que tem que ser desinfetada constantemente porque é algo que faz parte do nosso corpo, é mais um acessório que nós temos que ter em cuidado por causa deste maldito virus.

-Como é que têm sido as suas rotinas? Os cuidados são diferentes dos da maioria das pessoas?
Temos que ter cuidados redobrados, triplicados e por aí fora. Infelizmente é assim. Por exemplo, um frasco de álcool pode durar até duas semanas para a maioria das pessoas enquanto que para nós dura três ou quatro dias. Aqui em casa, eu e a minha companheira, adotámos algumas medidas que consistem em despirmo-nos logo na entrada e procedemos à desinfeção das canadianas automaticamente. Imaginando os colegas em cadeira de rodas acredita que as dificuldades sejam muito maiores, principalmente para aqueles que são independentes e vivem sozinhos.

-Neste período de quarentena como têm sido os seus treinos?
Agora só temos uma opção que é treinar em casa. Nós como treinamos com a cadeira de rodas e em casa o espaço não o suficiente para treinar com a cadeira, já estou a adotar algumas estratégias. Pratico algum cardio de manhã na bicicleta e depois à tarde acabo por praticar um treino mais intensivo e complemento os meus treinos com o Crossfit, que já fazia. E tenho feito os exercícios cá em casa duas vezes por dia. A nossa marcha é na cadeira e por isso estou a criar com um colega meu, que é engenheiro, uma plataforma para colocar cá em casa que é um tapete para a cadeira rodar sobre ele. Isto de maneira a que evite perder esse trabalho específico do meu desporto que é o mais importante para nós.

-Acha que pode afetar, de certa forma, a parte física e mental dos atletas?
A nível físico e de performance, acredito que esta situação de pandemia vá trazer algumas dificuldades. O treino não é o mesmo, a intensidade e a exigência também não e se calhar muitos dos colegas que praticam, andebol em cadeira de rodas acabam por utilizar mais o sofá como ferramenta. Acredito plenamente que eu e outros não o façam, mas acredito que outros acabem por cair um pouco nessa rotina o que pode prejudicar a modalidade, no global.

-Em termos competitivos, que efeitos práticos está a ter esta pandemia?
Infelizmente a época desportiva vai dar uma volta muito grande. Nós tínhamos um estágio agendado para a segunda semana de março, no Luso, que foi cancelado por causa desta situação, temos o Campeonato da Europa em novembro, na Suécia – que eu acredito que não irá realizar-se mas espero o contrário e que isto dê uma volta grande e nós consigamos participar. Ainda não sabemos como será o desfecho dos campeonatos mas, se eu pudesse decidir, jogava até às 22h para terminar o campeonato (risos). Não é fácil e tenho a certeza que esta situação toda esteja a ser uma dor de cabeça para a nossa Federação e para as outras Federações dos outros desportos. Mas uma coisa é certa, decisões têm que ser tomadas. Nem todos vão concordar mas há decisões chatas que têm que ser tomadas em prol do futuro das modalidades.

-Como é que, como capitão da Seleção Nacional, olha para esta situação?
Como todos nós já passámos situações menos boas na vida, acredito que vamos encarar isto como mais um desafio. Por tudo que eu e os meus colegas já passámos e ultrapassámos, não acredito que seja este vírus a deitar-nos a baixo, bem pelo contrário. Iremos atar com mais força e acredito que estaremos nos lugares cimeiros nos próximos Campeonatos da Europa. Não tenho qualquer dúvida disso. O grupo de trabalho é muito forte, coeso e unido, temos uma equipa técnica fantástica que puxa imenso por nós e em nome de todo o grupo de trabalho só posso dizer para as pessoas esperarem bons resultados por parte de Portugal. Eu costumo dizer muitas vezes isto: Eu que sou capitão da nossa Seleção, nomeado pelos meus colegas já há alguns anos, não tomo este discurso otimista à espera de moralismos. Tenho este discurso porque tenho noção das coisas. Quem vê os nossos jogos, quem conhece o grupo e quem está por dentro das coisas sabe que nós somos uns lutadores – bem como as seleções dos outros escalões – e acredito que todos que vestem a camisola do nosso país estão lá com unhas e dentes para trabalhar e trazer os melhores resultados para nós.

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