Luís Santos: “Muita gente desconhece que a Federação de Andebol de Portugal foi fundamental para que hoje exista Federação Europeia de Andebol”

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Antigo Presidente da Federação de Andebol de Portugal concedeu uma entrevista onde aborda os temas atuais da modalidade, bem como o seu passado enquanto líder máximo da instituição.

Luís Santos foi presidente da Federação de Andebol de Portugal durante 21 anos e destaca-se como uma das principais figuras do panorama andebolístico no nosso país. Ao longo da sua carreira foi agraciado com diversos galardões, entre os quais os votos atribuídos pelo Ministro da Educação, em 1986, de congratulação concedido pela Assembleia da República pela atribuição do Campeonato do Mundo de 2003 a Portugal, o Emblema de Ouro de Mérito da Federação Internacional de Andebol (IHF) e o European Olympic Laurel concedido pelo Comité Olímpico Europeu em 2011. Aos 84 anos, Luís Santos avalia, em entrevista, o momento atual da Seleção Nacional, a prestação europeia dos clubes portugueses e a inevitável situação provocada pela pandemia do Covid-19.

Situação atual do andebol em Portugal

Na edição 2019/2020 da Liga dos Campeões, Portugal está representado pela primeira vez por duas equipas, FC Porto Sofarma e Sporting CP. Os Dragões conseguiram atingir os oitavos de final da prova europeia, depois de assegurarem o quinto lugar no grupo B. Já a formação leonina falhou o acesso aos oitavos de final da Liga dos Campeões ao perder diante do Dínamo de Bucareste, no ‘play-off’. A boa campanha europeia dos clubes portugueses não se fica apenas na Liga dos Campeões, o SL Benfica é líder isolado e invicto do Grupo A da EHF Cup. No feminino, o CS Madeira apenas ‘caiu’ nos quartos de final da Challenge Cup e o Madeira Sad alcançou os oitavos de final da prova.

-Como é que avalia a prestação dos clubes portugueses na Europa?
Têm tido prestações notáveis, de grande competitividade e de demonstração de que podem realmente ombrear com qualquer clube estrangeiro. Sobretudo o FC Porto que tem tido um nível extremamente elevado ganhando a equipas de grande porte. E estou certo que ainda estamos em evolução, atenção. Estes resultados transportam o andebol português para um patamar alto na Europa. Acho que os resultados desportivos, mesmo da seleção nacional têm sido magníficos. E Deus queira que se consiga uma coisa que eu sempre ambicionei que era chegar aos Jogos Olímpicos. Eu realmente falhei os Jogos Olímpicos por um golo. Quando se organizou em Portugal o Campeonato do Mundo de 2003 e muita gente não se recorda, porque a memória é curta, das modalidades que têm expressão mundial a única que até hoje organizou um Campeonato do Mundo com vinte equipas foi o andebol. Nós estamos espalhados por todo o mundo e estiveram aqui em Portugal vinte equipas. Tivemos um encaixe financeiro para o país de cerca de 25 milhões de contos, porque na altura era em contos.

-Recuando alguns anos atrás, até ao tempo em que estava na presidência, o que acha que mudou desde então para agora estar a acontecer este sucesso?
Houve maior investimento dos clubes, claro. Na altura em que eu era Presidente havia um clube que investia, que era o ABC e agora não. Vemos o FC Porto a investir, o Sporting a investir e até vamos ver o Benfica a investir que, embora investindo como está a fazer, estou certo que o Benfica vai continuar a subir ao nível do FC Porto e do Sporting.

-Há uns anos atrás era mais difícil acontecer esse investimento por parte dos clubes?
Com certeza. Era mais difícil porque, obviamente, os tostões são sempre comprados. Aliás, no caso do ABC era porque havia uma pessoa, que era o sr. Engenheiro Rui Jorge Rodrigues e o seu pai José Peixoto Rodrigues que, efetivamente, davam ao ABC um apoio espetacular. E tinham essa capacidade que conduziu o clube à final de uma Liga dos Campeões.

-Gostava que, na altura em que era Presidente, houvesse mais investimento como há hoje em dia?
Sim, mas as coisas têm uma evolução natural. À medida que a modalidade se foi praticando as coisas foram desenvolvendo-se. Por exemplo, não aparecem jogadores a atuar no estrangeiro se não tivesse havido investimento na formação anteriormente, e outras coisas assim. Tudo isto é uma evolução natural e normal das coisas e dos acontecimentos. Evidentemente que o os clubes cada vez poderão ser mais ecléticos, mas esta situação do Covid-19 vai ter repercussões no futuro. Espero que não, mas acredito que os níveis de investimento vão começar a ser ponderados de outra forma.

Seleção Nacional

Depois do apuramento para o Campeonato da Europa de 2020, 14 anos depois da última participação numa grande competição, a Seleção Nacional fez história na prova ao conquistar um inédito 6.º lugar superando a anterior melhor classificação, 7.º lugar, em 2000.

– Acreditou sempre que era possível chegar ao Euro 2020?
Acreditei porque Portugal tem um conjunto de jogadores de nível elevado e era perfeitamente possível lá chegar, assim como acredito que é possível chegar aos Jogos Olímpicos. Falando em Jogos Olímpicos, há uns anos houve uma estratégia para lá chegar. Nós candidatámo-nos ao Campeonato do Mundo em 2001 e quando houve o Congresso desse ano, é evidente que nós não estávamos interessados em organizar em 2001, por vaidade, mas estávamos interessados em 2003. Então fomos confrontadora com a França que nos pediu para organizar o Mundial em 2001 e, caso acontecesse, apoiar-nos-ia em 2003. E nós cedemos. Portanto, a França organizou o Campeonato do Mundo de 2001 e nós organizámos em 2003, que dava acesso aos Jogos Olímpicos. E nós não conseguimos por um golo, contra a Islândia. Mas entretanto as coisas evoluiram e no aspeto desportivo, a Seleção Nacional está ótima.

-Esteve presente em Matosinhos, quando Portugal se qualificou para o Campeonato da Europa frente à Lituânia. Qual foi a sensação de ver o pavilhão cheio e aquele ambiente que há muito não era vivido no andebol português?
A sensação foi ótima. Mas a minha sensibilidade sobre esta matéria é a seguinte. O português quando consegue uma coisa entra relaxamento e obviamente esse feito e o espetáculo foram sensacionais, o resultado podia ter sido melhor porque que eu gostava de ter visto uma vitória. Mas já estávamos qualificados, compreendo até o relaxamento. Eu compreendo isso, só que a minha forma de estar na vida não é essa. Evidentemente, já não tivemos o mesmo comportamento na fase seguinte, ganhámos à França de forma notável, ganhar por 10 golos à Suécia era inimaginável, e por aí fora.

-Quais são, para si, as diferenças que encontra entre a seleção que foi 7ª classificada no Euro 2006 e a atual que conquistou o 6º lugar agora em 2020?
Não sou capaz de fazer esse raciocínio porque são situações e alturas completamente diferentes. São dois marcos notáveis do andebol português. Anteriormente, quando nós fomos qualificados, era através de uma “pole”, na qual tivemos que eliminar a Alemanha e a Jugoslávia. E depois quando fomos apurados para o Campeonato da Europa, onde alcançámos o sétimo lugar, tivemos que eliminar a Sérvia. Ganhámos por dois golos em Viseu e toda a gente dizia que estávamos eliminados. Quando fomos à Sérvia perdemos só por um golo e efetivamente garantimos a presença no Campeonato da Europa na Croácia. Isto para dizer que as situações são completamente diferentes. Ainda bem que a modalidade pôde apresentar um resultado destes, só é pena que as instâncias superiores não acompanhem a nível financeiro a evolução que a modalidade pode ter.

-Como é para si sentir todo este sucesso no papel de um dos grandes obreiros, uma vez que o seu passado é incontornável não sucesso atual?
É muito satisfatório para mim. Não sou alheio ao que está a acontecer com a Seleção Nacional. Aliás, pouco tempo antes tivemos outro sucesso que ninguém fala mas que, efetivamente, é importante em termos de futuro que foi quando ganhámos o Torneio das 4 Nações. As coisas têm a sua evolução natural. Por isso é que nós apostámos sempre na formação, fomos os primeiros campeões europeus de andebol de juvenis, fomos vice-campeões europeus no ano seguinte na geração do Ricardo Andorinho, do Ricardo Costa e etc, e fomos terceiros classificados no Campeonato do Mundo de juniores. Portanto, a sequência lógica é começar na formação e quando se tem bons resultados nos escalões de formação, logicamente, os nossos jogadores vão para os melhores clubes ou saem para o estrangeiro. É a ordem natural da evolução da modalidade.

-Lembra-se do primeiro dia em que chegou à Federação de Andebol de Portugal?
Lembro-me perfeitamente. Eu cheguei à Federação como vice-presidente e durante os meus mandatos nós organizámos um Campeonato do Mundo do Grupo C, o primeiro campeonato da Europa foi organizado em Portugal e muita gente desconhece que foi a Federação de Andebol de Portugal fundamental para que hoje haja Federação Europeia de Andebol. Nós organizamos um congresso na Madeira e nesse Congresso havia uma incompatibilidade entre o Oriente e o Ocidente porque quem organizava os Mundiais e Europeus era a Federação Internacional. E sucede-se que já tinha havida várias reuniões em Israel e quando chegou ao Congresso que organizámos na Madeira reunimos as Federações todas das Europa e apresentamos que devia haver a criação da Federação Europeia. E foi na Madeira que foi lançado esse repto a todas as Federações para se unirem e deixarem as lamechas do Oriente e do Ocidente e então foi criada a Federação Europeia, em Berlim, no tempo em que caiu o muro de Berlim e no tempo em que foi possível. Escolheu-se até a Áustria como sede para não estarmos sempre a ficar na Suíça.

– Consegue enumerar alguns dos melhores momentos?
Tivemos muitos momentos importantes enquanto eu era Presidente da Federação. Quando nos atribuíram o Troféu Hans Baumann, por exemplo, que se destinava à Federação mais desenvolvida em andebol. São tantos momentos bons, que demoraria a enumerá-los. Tivemos a mudança da sede da Federação, em que o Estado só nos deu uma irrisória quantia de 40 milhões e nós fizemos um investimento de 133 milhões de contos, na altura. Quando organizámos o Campeonato do Mundo de 2003 e fomos enaltecidos pela Federação Internacional. Foi em Portugal que se fez a substituição do anterior presidente da Federação Internacional pelo atual, o Hassan Moustafa. Organizámos o primeiro Campeonato Europeu, em 1994. Todos esses foram momentos importantes e fundamentais. Mas com certeza também houve momentos menos bons, na criação da Liga dos Clubes, por exemplo. E vejo com alguma satisfação que aquilo que eu defendia na altura, hoje está a ser aplicado.

Covid-19

O ano 2020 fica marcado pelas piores razões, extra-competição, com a interrupção e suspensão das competições nacional e internacionais devido à pandemia do novo Coronavírus. A evolução da situação levou ao adiamento, por exemplo, do Torneio Pré-Olímpico e do Torneio de qualificação para o Mundial em que a Seleção Portuguesa está inserida e também do Campeonato Placard Andebol 1, do Campeanato 1.ª Divisão Feminina e de todas as competições internas.

-Com tanta experiência de viva como qualifica a atual pandemia em comparação com situações semelhante?
Esta pandemia é terrível porque tem uma coisa que eu abomino, que é o cinismo e a hipocrisia. Quando existia a gripe asiática começávamos a suar e sabíamos que estávamos a ficar atacados quando começávamos a suar. Ela também atacava os pulmões. No caso da Covid-19 nós não sabemos onde é que ela está.

-Concorda com a direção da FAP ao suspender as competições em vez de as terminar a titulo definitivo?
Acho muito bem aquilo que a direção da Federação fez nesta matéria. Concordo perfeitamente. Assim como concordo com a direção da Federação quando procurou juntar as quatro Federações e essas são iniciativas que o andebol precisa. Se realmente têm ou não sucesso é uma responsabilidade que cabe a cada um. Não podem dizer que não houve uma modalidade a fazer isso. 

-Depois do Europeu Portugal estava quase a disputar o Torneio Pré Olímpico e o apuramento para o Mundial, acha que esta pandemia veio na pior altura em termos competitivos para a Seleção?
Eu creio que sim, mas é um problema geral. Vamos ver é a forma como cada país reage a este tipo de situação, porque é um problema real. A sequência lógica de um trabalho de preparação está afetado, não há dúvida nenhuma, mas de qualquer das maneiras, afeta toda a gente. Há países que até estarão mais afetados do que nós e que iam competir connosco mas a situação Pré-Olímpica ainda não está definida.  

-Caso Portugal se qualifique, vamos vê-lo no Egito no Mundial?
Não creio. Depois de eu sair da Federação se vi uma dúzia de jogos de andebol ao mais alto nível foram muitos. Eu quero estar sossegado. Eu renunciei ao cargo de Presidente da Federação para dar à minha mulher aquilo que lhe tinha tirado enquanto ocupava esse posto. Porque quem educou os meus filhos foi a minha mulher. Só tive o privilégio de a ter comigo durante oito anos porque entretanto faleceu. Nesta altura da minha vida quero estar o mais sossegado possível. O eu estar ou não presente não significa que esteja ou não em desacordo e só estarei em sítios onde esteja por obrigação e por dever. Graças a Deus tenho o privilégio de estar onde quero e não quero que as pessoas interpretem que a minha presença pode ter este ou aquele significado.

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