Ricardo Costa: “Olho para a Seleção Nacional como uma bomba dentro de uma caixa que, de repente, explodiu”

Treinador português, de 43 anos, abordou o novo projeto que vai abraçar na próxima temporada, ao leme da Artística de Avanca/Bioria, recordou os tempos de jogador e avaliou ainda a prestação de Portugal no EHF Euro 2020.

Ricardo Costa vai deixar o comando técnico do FC Gaia/Empril para treinar a Artística de Avanca/Bioria em 2020/2021. Em entrevista, o antigo jogador, que é ainda o quinto com mais internacionalizações por Portugal (147), falou sobre a nova experiência profissional que vai encarar e fez ainda uma retrospectiva da passagem pelo clube de Vila Nova de Gaia, onde esteve três anos e sempre em crescendo. Sobre a Seleção Nacional, o agora treinador que fez parte da Seleção que conquistou o 7.º lugar no Euro 2000, olha com orgulho para o sucesso atual de Portugal e afirma que o potencial do grupo que foi 6.º classificado no Euro 2020 está à vista de todos.

Passado: Portugal ao peito

Como é que avalia a prestação de Portugal no EHF Euro, e o respetivo 6.º lugar e o que é que acha que contribuiu para este feito?

“Eu olho para a Seleção Nacional como uma bomba dentro de uma caixa, que todos nós sabíamos que era uma potência, e que de repente explodiu e que nós acabámos por ter a confirmação daquilo que já achávamos há algum tempo. Acho que 14 anos de ausência é muito tempo e todos nós sabíamos que tínhamos qualidade. Por vários fatores, entre os quais a forma como as equipas se apuravam, Portugal ía sendo deixado de fora – não é fácil eliminar uma seleção de topo mundial e era assim que a qualificação era feita até agora – e o facto de o processo de qualificação ter mudado e de agora se apurarem duas equipas ajudou-nos a mostrar o nosso potencial. Por alteração do método de apuramento Portugal foi capaz de estar neste Europeu e no jogo com a França, se nós íamos com dúvidas, demonstrámos aquilo que éramos capazes. Se ganhámos uma vez era possível ganhar a segunda e assim o fizemos e acho que aí sentimos que afinal não ganhamos por acaso em Guimarães mas sim porque somos bons. A partir daí o Campeonato da Europa foi um espetáculo para toda a gente. Se calhar ficámos todos com a sensação de que o 6.º lugar soube a pouco, o que não quer dizer que tenha sido pouco, foi muito e foi fantástico termos alcançado a melhor classificação de sempre. Jogámos tão bem que todos nós sentimos que podíamos ter feito mais neste Europeu. Um pouco à semelhança daquilo que aconteceu em 2000, na Croácia, em que nós estivemos a 10 minutos de nos apuramos para as meias finais, quando estávamos a ganhar à Rússia e acabámos por falhar aquele momento. Nessa altura também ficamos com a sensação de que podíamos ter feito mais, mas pronto, acabou por ser durante muitos anos a melhor classificação e agora foi superada e de uma forma fantástica.”

Consegue comparar a Seleção que foi 7.ª classificada em 2000 com a que alcançou o 6.º lugar em 2020?

“É um pouco difícil de comparar os dois grupos com tanta diferença de anos e o jogo também mudou em termos de velocidade, por exemplo. Naquela altura alguns dos jogadores foram atletas de topo. O Viktor Tchikoulaev jogou uma final da Liga dos Campeões pelo ABC, o Carlos Resende foi o melhor lateral esquerdo, o Ricardo Andorinho jogou no Portland San Antonio, eu joguei no Ademar León, grandes equipas europeias. Hoje também existe a mesma coisa. O Gilberto Duarte, que acabou por não estar presente no Euro, é uma figura do nosso andebol e jogou no Barcelona, tal como o Alexis Borges, e acho que as duas gerações são muito parecidas. Na baliza tínhamos muita qualidade, tal como temos agora e acho que estas duas equipas conseguiram chegar a um patamar elevado pela excelência de guarda-redes que tínhamos e temos. O (Alfredo) Quintana veio subir o nível, completamente, da mesma forma que o Sérgio Morgado, o Paulo Morgado e o Carlos Ferreira fizeram na nossa altura. No fundo são duas gerações muito fortes. Se houvesse um jogo entre a Seleção Nacional de 2000 e a atual, não sei quem é que ganharia, sinceramente.”

Tendo feito parte dessa geração anterior, como é que olha para este seleção de hoje?

“Com muito orgulho. Se houve altura em que aqui em casa me apeteceu vestir a camisola de Portugal e ver os jogos da Seleção foi agora, com toda a certeza. Eu não sou agarrado a nada e acho que nós não temos que nos agarrar ao 7.º nem ao 6.º lugar, quem me dera ver Portugal a jogar uma final ou a estar nos Jogos Olímpicos. Fico muito contente com o sucesso dos outros, que é também nosso porque todos nós remamos e lutamos por um andebol melhor e acho que todas as pessoas que, há muitos anos, estiveram relacionadas com a Seleção partilham deste sentimento. Sejam os jogadores do Sporting, do FC Porto, do Benfica ou de que clube forem, todas estamos a lutar para que o nosso andebol seja cada vez melhor e oxalá este 6.º lugar seja melhorado e não tenhamos que esperar 20 anos para vermos isto outra vez.”

O Ricardo foi um ponta-direita de referência em Portugal. Como é que define os atletas que ocuparam essa posição neste Europeu, no caso o Pedro Portela e o António Areia e como é que os identifica consigo enquanto jogador?

“Com toda a justiça, eu talvez fosse uma mistura dos dois quando era jogador. O Portela e o Areia são os dois muito eficazes, o António é muito mais virtuoso e é capaz de aliar a eficácia ao espetáculo, enquanto que o Portela é um atleta de topo mas não se evidencia por ações espetaculares, é muito sério a jogar, embora tenha um desempenho fantástico. O António Areia é um atleta que eu conheço bem, trabalhou comigo no FC Porto, tem recursos fantásticos e marca golos com muito pouco ângulo e às vezes quase impossíveis. E, nesse sentido, eu era um atleta que arriscava muito, entrava muitas vezes com pouco ângulo e gostava desse desafio porque achava que o guarda-redes tinha mais pressão do que eu. Embora eu fosse um bocado mais “louco” do que estes dois, envolvia-me muito em confrontos, ía para cima dos meus adversários e era mais duro do que eles a defender, mas o andebol também era diferente há 25 anos. Era um jogo mais duro, mais violento, nisso o andebol cresceu e bem. Eu lembro de quando comecei a jogar, há 30 anos, era através da dureza que os mais velhos se impunham e mostravam quem é que mandava e nós tínhamos de nos aguentar e crescemos todos neste ambiente. Isto obrigava-nos a ser mais duros, o que tornava todo o jogo mais violento. É neste aspeto que eu digo que sou um pouco diferente do Areia e do Portela.”

Presente: Novos desafios

Desde que é treinador, Ricardo Costa já orientou o ADA Maia/ISMAI, durante um ano, o FC Porto em duas temporadas e nos últimos três anos comandou o FC Gaia/Empril. Em 2020/2021 será treinador da Artística de Avanca/Bioria.

Como é que encara o novo desafio a que se propôs?

“Neste momento, vivemos tempos tão complicados que ainda não tive muito tempo para pensar bem nisso. Mas encaro o projeto da Artística de Avanca da mesma forma como os outros em que estive até agora, com a ambição que sempre tive e com a vontade de fazer crescer o clube. Quem me convidou para embarcar neste projeto foi o engenheiro José Costa – já o tinha feito o ano passado – e vou assumi-lo com a máxima motivação e profissionalismo tal como sempre fiz, é com esse objetivo.”

Que balanço faz do seu percurso enquanto treinador do FC Gaia/Empril?

“Eu penso que fazer melhor é sempre possível mas acho também que todos os anos superámos as expetativas. No primeiro ano fomos à final-four da Taça de Portugal e não tínhamos o objetivo de subir de divisão, no ano seguinte subimos e conseguimos ser campeões nacionais, que foi fantástico, e no terceiro ano acho que acabámos por ser a equipa revelação porque viemos da segunda divisão e estivemos até ao último jogo a disputar a entrada nos seis primeiros lugares. Foram três anos espetaculares, de enorme crescimento individual e coletivo, também do próprio clube e orgulho-me imenso daquilo que fizemos no FC Gaia.”

Antes do jogo que podia dar acesso aos seis primeiros lugares, independente do resultado, tinha a sensação de que a época tinha sido bem sucedida até lá?

“Era o último jogo e se nós tivéssemos ganho ou neste caso, se o ABC tivesse perdido, podíamos ter chegado ao sexto lugar. Acho que a segunda volta que fizemos foi perfeita, só perdemos com o FC Porto e com o Sporting CP e mais um ou outro jogo. No início da primeira volta chegámos a perder alguns jogos e sentimos mesmo que a equipa se estava a adaptar a outro tipo de competição mas fomos capazes de chegar a esse nível, de nos superarmos e de melhorar. É uma equipa muito jovem, com muitos atletas abaixo dos 18 anos, e penso que quando nós os ajudamos a crescer ainda dá mais gozo.”

O facto de ter sido um jogador de alto nível e uma referência, faz de si um treinador mais exigente?

“Um bom treinador não tem necessariamente que ter sido jogador. Essa é uma exigência que nós temos, em várias áreas da nossa sociedade e temos muitos exemplos de bons treinadores que nunca jogaram andebol. Acho que isso já nasce connosco, essa exigência que nós colocamos nas coisas, o profissionalismo, a forma de estar, a seriedade são tudo coisas que nós fazemos, independentemente se é no andebol ou não, porque já faz parte do nosso caráter. Mas o facto de ter sido jogador ajuda em algumas coisas, claro. Na facilidade de nos colocarmos do outro lado, de perceber o que é que o jogador está a pensar, de perceber de que forma é que as nossas atitudes enquanto treinadores influenciam os atletas, por exemplo. Nesse aspeto é que eu acho que é importante nós termos passado pelo lado e jogador. Não é fulcral, mas ajuda imenso. E depois aliar as duas coisas, o gosto de ser treinador e de querer melhorar e ter tido a experiência de 20 anos de jogador da modalidade – e no meu caso, que me licenciei e tirei o meu mestrado em Ciências do Desporto – acho que resulta em alguma coisa, no fim de contas.”

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