Aos 48 anos, Sandra Fernandes contabiliza no currículo sete títulos enquanto treinadora, o mais recente, conquistado na época 2017/2018 quando levou o Madeira SAD à conquista do Campeonato Nacional. Como jogadora, alcançou 18 títulos coletivos, entre Campeonatos Nacionais, Taças e Supertaças, para além de ter defendido as cores de Portugal por 84 vezes. Tem também o estatuto de ter sido a primeira treinadora a orientar uma equipa masculina, o Madeira SAD em 2013/2014. Em entrevista, Sandra Fernandes, recordou os tempos de jogadora, a experiência de ter sido Selecionadora Nacional e revelou ainda o sonho de treinar fora do nosso país.
De que forma é que uma antiga internacional olha para a Seleção Nacional de hoje em dia?
“São dois contextos completamente distintos. Antigamente o processo das seleções nacionais era diferente, com menos possibilidades de jogos e competições internacionais e neste momento o andebol feminino português acabou por dar um salto que é visível em termos de exportação de jogadoras. Atualmente temos muitas jogadoras a atuar nos diversos campeonatos estrangeiros e parece-me que o trabalho que está a ser realizado no contexto das seleções é o indicado e é um caminho que me parece bem executado, no sentido de tentarmos projetar o andebol numa competição internacional, que é aquilo que toda a gente ambiciona.”
O que tem faltado à seleção no caminho para o sucesso?
“Enquanto não conseguirmos atingir os potes 1 e 2 das qualificações vamos apanhar sempre seleções que, habitualmente, estão nas grandes competições o que se tornará bastante difícil para nós. A realidade é que, em termos quer de jogadoras quer de resultados, parece-me que a Seleção acaba por estar no caminho indicado e possível nesta altura. Estamos neste momento suportados por várias gerações que estiveram presentes em Campeonatos da Europa e do Mundo anteriores, o que dá a estas jogadoras uma bagagem de jogos internacionais grande. O crescimento delas e a maturidade que elas têm e ainda vão atingir fazem com que sejam jogadoras que, provavelmente, mais dia menos dia conseguirão dar o salto. Temos que perceber que só o facto do reconhecimento internacional por parte de alguns clubes na contratação de jogadoras portuguesas indica isso, uma visão muito concreta das jogadoras portuguesas. Esta é uma opinião muito clara daquilo que poderá acontecer no futuro no andebol feminino. A continuação do trabalho que está a ser feito nas Seleções jovens e aquilo que vai sendo acrescentado à Seleção A poderá ser um caminho positivo, muito honestamente.”
O conhecimento que essas jogadoras adquirem nos respetivos campeonatos europeus enriquece a qualidade da Seleção Nacional?
“Obviamente que sim. Não só o facto de algumas delas já estarem integradas em competições europeias como, por exemplo, a Mariana Lopes que já joga a um nível bem alto em termos internacionais e outras jogadoras que atuam em Espanha. Penso que Alemanha e Espanha, neste momento, devem ser os locais onde temos mais jogadoras portuguesas a jogar e são países que têm níveis competitivos que lhes permitem crescer. Elas vão, de certeza, neste contacto quer com estas ligas quer com as competições europeias, adquirir outros níveis de rendimento que vão potencializar um enriquecimento da nossa Seleção. Disso não tenho dúvidas nenhumas. Nós só podemos competir ao mais alto nível se tivermos a jogar regularmente nesse patamar.”
Durante oito temporadas, assumiu várias equipas técnicas das Seleções Nacionais Femininas, tendo conquistado, por exemplo, o 4.º Lugar no Campeonato da Europa de Juniores B em 2012/13. Quando foi Selecionadora Nacional com que dificuldades se deparava?
“Eu tive duas situações distintas. A primeira foi grande parte do trabalho que eu fiz na Federação com os escalões de formação mais jovens e aí as coisas são relativamente fáceis em termos de trabalho, porque até às atletas entrarem no processo universitário acabam por ter uma dedicação e facilidade de treinar e de competir grande. Trabalham muito durante a semana nos clubes e isso facilitou o meu trabalho enquanto selecionadora de escalões jovens. A segunda situação foi, nas seniores, onde só estive um ano mas as adversidades são sempre as mesmas. Ou seja, a dificuldade no trabalho diário por parte delas e a dificuldade de escolha entre o trabalho e a possibilidade de treinar porque não são remuneradas de uma forma regular e de uma forma mais profissional diariamente. Penso que as dificuldades foram estas no passado, serão estas no futuro, com uma facilidade maior agora porque as atletas, como atingem o escalão de seniores, já têm tido oportunidade de jogar fora do país e serem remuneradas por isso. São as dificuldades normais, que eu penso que todos os selecionadores tiveram quando estão a assumir este cargo.”
O andebol de antigamente é diferente do que é hoje. Preferia ser jogadora nesta altura ou quando efetivamente o foi?
“Eu gosto muito de viver as situações no dia-a-dia. Eu gostei muito de ter sido jogadora na altura em que fui. Reconheço que a beleza do jogo hoje em dia é maior, pela velocidade, pela capacidade técnica e pela oportunidade de as atletas experimentarem outro tipo de situações dentro de campo. Claro que eu gostaria de jogar nesta altura ainda. Para quem começa a jogar andebol e para quem o faz regularmente, a paixão nunca morre e vai ficar para sempre. Se me dissessem que eu podia começar a jogar agora eu dizia obviamente que sim, se estivessem reunidas todas as condições para isso, ía fazê-lo com o máximo de dedicação. Na minha altura vivemos um andebol diferente mas, hoje em dia e porque também sou treinadora e estudo muito o jogo, acho que o andebol é muito mais atrativo para qualquer pessoa que goste da modalidade.”
Quais são as melhores memórias de quando era internacional por Portugal?
“Ter a experiência de representar o nosso país, ouvir o hino e estar dentro de campo a lutar pelas cores de Portugal, só por aí já valeu a pena. Dizer que o andebol para mim é uma vida, que me deu muito, muitas alegrias, muitas tristezas (resultados) mas de certeza que as alegrias foram sempre maiores. As amizades e a família que eu criei em torno do andebol é algo de fabuloso e espetacular. Portanto, o andebol para mim é uma forma de viver, de amor, dedicação, paixão, não há outra explicação para quem está no processo que eu vivi. Esta modalidade estará sempre presente na minha vida, mesmo daqui a muitos anos.”
Há alguma razão para nunca ter ido jogar para o estrangeiro? Gostava de ter tido essa experiência?
“Eu não sou da Madeira, mas estou aqui já há 25 anos, e quando eu era miúda jogava num clube de uma pequena terra em Esposende e tive uma proposta para ir jogar para Espanha. Por questões familiares acabei por não aceitar e os meus pais acharam que era por bem. As situações eram totalmente diferentes naquela altura, as preocupações eram maiores, havia outro tipo de comunicação, a incerteza das coisas também era grande e, portanto, optei por ficar em Portugal. Mas depois tive oportunidade, para além de ter jogado no Colégio de Gaia, que foi um dos clubes pelos quais eu passei longe da minha terra e onde cresci muito, de receber um convite para ir para a Madeira. Não é o estrangeiro, mas na altura, com aquilo que a Madeira fez em termos de andebol feminino, foi um salto qualitativo na minha formação quer académica quer enquanto jogadora. Saindo do continente para vir para uma ilha foi quase como irmos para o estrangeiro porque não era normal, na minha altura, ouvirmos falar em jogadoras que iam atuar fora de Portugal. Portanto, o meu estrangeiro foi sair de Esposende e ir para o Colégio de Gaia e de lá vir para a Madeira. Foi a oportunidade que eu tive para tentar apostar caminha carreira enquanto jogadora e depois acabei por fazer a minha formação académica, que era outra das minhas preocupações para a minha vida.”
Tendo sido jogadora de alto nível faz com que tenha uma exigência maior com as atletas?
“Eu penso que a exigência tem um pouco a ver com a personalidade de cada um e eu considero-me uma pessoa exigente por natureza. Sou muito rigorosa comigo mesma enquanto treinadora, trabalho muito para tentar conseguir alcançar aquilo que eu acho que é o melhor para a minha equipa e, por isso, sou exigente com elas também. Neste momento, acabo até por ser treinadora de duas atletas com as quais tive ainda oportunidade de jogar e, como elas dizem, a minha exigência é controlada dentro daquilo que são os objetivos próprios do clube. Não acho que seja uma treinadora exageradamente exigente, sou como sou porque o clube onde eu estou traça objetivos e eu tenho que os cumprir e, dentro desses, a minha exigência está sempre ao nível dos mesmos.”
Como é que avalia a competitividade entre as equipas femininas portuguesas?
“A Madeira teve durante muitos anos a hegemonia do andebol feminino. Houve uma aposta muito clara das equipas insulares, foram buscar jogadoras ao continente e ao estrangeiro, algo que não se pensava ser possível naquela altura. Depois, num contexto mais atual, o Colégio de Gaia assume-se como uma das equipas com maior preponderância em termos de competição nacional, pelo menos nos últimos três anos. Este ano, fez até à data uma excelente prova e está meritoriamente no primeiro lugar da competição. Relativamente às outras equipas, há um equilíbrio muito grande em termos de classificação e de resultados. Não me parece que haja assim uma diferença muito grande no nível das restantes equipas. Há também uma saída muito grande, nos últimos anos, de jogadas para o estrangeiro o que enfraquece um bocado a competição nacional mas ao mesmo tempo dá oportunidade a uma geração mais nova.”
Foi a primeira treinadora a orientar uma equipa masculina, o Madeira Sad, na temporada 2013/2014. Quais foram as principais diferenças que encontrou nesse desafio?
“Foi uma experiência muito enriquecedora e aconteceu numa altura em que estava muito complicado em termos financeiros aqui na região da Madeira e no país. Foi uma oportunidade que, de modo algum, me vou arrepender. Não encontro assim muitas diferenças, sinceramente. Encontrei um grupo de homens com um respeito e uma integridade moral muito elevada para com uma mulher, que não era normal estar a assumir um cargo destes. Acho todos eles são bastante respeitadores. Tive a oportunidade de vivenciar isto e acho que os homens trabalham bem, são mais competitivos em termos de treino, sem dúvida alguma. As mulheres também o são mas não é tanto em espaço de treino, é mais no território de competição em si e eu acho que esta é a principal diferença. Também há outra coisa, os homens não levam nada para casa. No dia seguir estão impecáveis no treino e as mulheres levam sempre alguma e não vão com o mesmo sorriso para o treino seguinte. Mas isso é fácil de gerir (risos).”
Tem o objetivo de treinar em algum campeonato europeu?
“Sim, é um sonho que eu tenho, sair de Portugal para ser treinadora lá fora. Não sei se o vou concretizar mas era uma coisa que eu adorava fazer. Como é normal, nós mulheres, estamos sempre condicionadas pela questão da família e eu ainda tenho uma filha com 15 anos e será sempre a minha prioridade até ela estar orientada em termos de formação. A partir daí estarei pronta para isso mas não sei se essa oportunidade me vai surgir. Talvez um dia. Gostava de experimentar o campeonato francês, o espanhol e o alemão. Mas isto ainda é tudo uma utopia e primeiro tenho que demonstrar que tenho qualidade para uma coisa dessas. Veremos.”