Juliana Sousa: “Comecei a dar nas vistas e todos queriam saber quem era aquela jogadora portuguesa”

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Antiga lateral da Seleção Nacional fez uma retrospectiva da longa carreira, que começou e terminou na Madeira, com quase 10 anos de experiências no estrangeiro pelo meio.

Juliana Sousa é, indubitavelmente, um dos símbolos do andebol feminino em Portugal. A antiga lateral, que atualmente desempenha as funções de Vice-Presidente da Federação de Andebol de Portugal, deu os primeiros passos no andebol no clube Quinta da Princesa e rapidamente se mudou para a Madeira onde se afirmou como uma das maiores promessas da modalidade. O prémio de melhor jogadora do Campeonato do Mundo de Juniores, em 1997, deu o mote para uma transferência para o andebol espanhol. Quase 10 anos depois, todos passados no estrangeiro, Juliana Sousa regressou ao Madeira SAD, onde terminou a carreira de jogadora. Ao serviço da Seleção Nacional, a antiga jogadora contabiliza 140 jogos no escalão de senior, que a colocam no segundo lugar de jogadoras com mais internacionalizações por Portugal, pela Seleção Absoluta.

Passado: Crescimento repentino

Como é que surgiu o andebol na sua vida?

“As minhas irmãs faziam desporto. As mais velhas praticavam atletismo, outra praticava andebol e eu só participava nos corta-matos na escola, então o meu pai dizia que eu tinha que treinar como elas. Eu tive contacto com o andebol na escola e da minha casa conseguia ver um rinque em que os miúdos treinavam e eu nem sabia que era andebol, mas achava giro. Depois soube que quem treinava lá era a equipa da Quinta da Princesa, o meu pai incentivou-me a ir lá falar com os responsáveis do clube e foi lá que eu dei os primeiros passos no andebol, com 12 anos.”

Em Portugal venceu o Campeonato da II Divisão ao serviço da Quinta da Princesa e representou o CS Madeira e o Madeira SAD onde foi campeã nacional e venceu duas Taças de Portugal. Que importância tiveram essas épocas no desenrolar da sua carreira?

“Foi muito importante porque eu nem sequer sabia que estava a subir tão alto (risos). Com 17 anos fui jogar para a Madeira e nem sabia que os atletas de andebol podiam ser “comprados”, pensava que isso acontecia apenas no futebol. O meu primo, Luís Boa-Morte, que é da mesma idade do que eu, tinha ido para o Arsenal também muito jovem e eu pensava que as contratações só aconteciam no futebol, porque as modalidades não ganhavam muito dinheiro. Nós, atletas femininas, pensávamos que não podíamos viver do andebol e eu acabei por perceber que afinal era possível.”

Em 1997 foi considerada a melhor jogadora do Mundial de Juniores, onde Portugal conquistou o 6.º lugar. Depois dessa experiência era inevitável uma saída para o estrangeiro?

“Acabou por ser, porque eu tinha muitos convites, mas achava que era difícil porque não havia muitas atletas portuguesas no estrangeiro, naquela altura. O meu percurso na modalidade, no início, aconteceu de forma muito repentina: comecei a jogar andebol, depois fui chamada para representar a Associação de Setúbal, a seguir entrei para a Deteção de Talentos, Seleção Nacional, foi um crescimento muito rápido. Tive também bons treinadores no meu caminho, como é o caso do Fernando Jorge e do José António Silva, que me ajudaram imenso. Tive experiências muito boas com todos os treinadores com quem me cruzei, mas estas duas pessoas tiveram um papel fundamental. Naquela altura, algumas equipas tinham pelo menos duas jogadoras estrangeiras, o que ajudava as atletas a evoluírem e eu, como era das mais novas, tinha mais margem para errar porque havia sempre alguém mais velho que resolvia. Hoje em dia isso já não acontece, porque uma atleta jovem tem a mesma responsabilidade de uma senior. A nossa Seleção participava em apuramentos muito difíceis e nunca tinha estado nem em Europeus nem em Mundiais e esse torneio foi a última experiência daquela geração, era o último ano. Nós agarrámos aquele Mundial com unhas e dentes, acreditámos que íamos fazer um brilharete, a equipa estava muito confiante apesar do grupo ser muito difícil, mas a união fez a força, literalmente. Tínhamos também uma equipa técnica que acreditava muito em nós e isso foi muito importante, não estávamos à espera de alcançar um 6.º lugar mas sabíamos que íamos conseguir chegar muito longe. Eu só venci o prémio de melhor jogadora desse Mundial devido ao trabalho de equipa, todas nós estivemos sempre unidas e toda a equipa merecia ter ganho esse prémio.”

A primeira experiência no estrangeiro, em Espanha, foi ao encontro das suas expetativas?

“Foi muito enriquecedora porque em Portugal nunca tinha jogado na Liga dos Campeões e, no estrangeiro, acabei por jogar em equipas de topo, o que me ajudou a crescer imenso como atleta. Tínhamos um ritmo competitivo muito elevado, com Campeonato espanhol às quartas-feiras e Liga dos Campeões ao fim-de-semana. Uma pessoa acabava por evoluir porque não tínhamos tempo para pensar, vinha sempre um jogo a seguir ao outro, ou seja, enquanto que em Portugal se eu perdesse um jogo tinha uma semana para pensar e em Espanha não, tinha que mudar o chip rapidamente. Foi uma experiência fantástica, jogava em pavilhões cheios, com claques e na Liga dos Campeões o nível ainda era maior. A própria apresentação das equipas era um verdadeiro espetáculo, o andebol tinha outra dimensão. Nesse ano venci a Taça da Rainha.”

Depois de três anos no Ferrobus KU, de Espanha, mudou-se para França para representar o Metz, uma das grandes equipas femininas na altura. Foi a partir desse momento que começou a ter mais sucesso na carreira?

“Na verdade até foi em Espanha. Quando eu fui para aquele país, a minha equipa já estava apurada para os oitavos de final da Liga dos Campeões e, mesmo assim, eu acabei por ser uma das melhores marcadoras da prova. Naturalmente, comecei a dar nas vistas e todos queriam saber quem era a jogadora portuguesa que jogava naquela equipa espanhola.”

Apesar de ter assinado por dois anos com o Metz, o clube ressentiu-se de problemas financeiros, o que fez com que voltasse a Espanha, um ano depois, para representar o BM Astroc Sagunto. Nesse regresso – que durou três anos – chegou às meias finais da Liga dos Campeões. Recorda-se dessa campanha europeia?

“Foi uma loucura. O nosso público ía connosco para todo o lado para nos apoiar, tínhamos uma equipa maravilhosa, houve também problemas com lesões mas chegámos onde ninguém acreditava. Foi memorável, Liga dos Campeões não tem nada a ver com o Campeonato, jogávamos com atletas internacionais fantásticas. Nós fomos eliminadas, nessas meias finais, pela equipa do Viborg HK, com duas derrotas tanto em casa como na Dinamarca. Mas essa campanha foi excelente.”

Como é que surgiu a oportunidade de ir jogar para a Roménia, durante uma época?

“Foi num jogo em que Portugal foi jogar à Roménia e propuseram-me jogar no campeonato local. Pensei muito, por causa da minha idade, tinha quase 30 anos e já começava a perspetiva o final da minha carreira mas quis experimentar mais um campeonato. Encontrei uma liga muito mais dura, mais física e, por mais caricato que seja, foi uma época em que eu não tive lesões (risos). Tinha lá jogadoras muito boas, como a Cristina Neagu, contra quem eu tive a oportunidade de jogar e que tinha, na altura, 16 anos. Eu pensava sempre que se aquela jogadora era tão forte com aquela idade, como seria quando ela fosse mais velha. E ela acabou por ser considerada a melhor jogadora do mundo, na geração dela. Aprendi imenso naquele país, as jogadoras romenas são muito fortes fisicamente e jogam bem todos as modalidades e eu não (risos). Eram jogadoras muito completas.”

Regressou a Portugal e terminou a carreira no Madeira SAD. Foi algo que definiu como objetivo?

“Como se costuma dizer: ‘bom filho a casa torna’ e eu não podia ser exceção. Nos clubes onde passei sempre saí a bem e o meu pai sempre me disse que não devemos virar as costas a quem nos deu a mão e, por isso, senti que deveria voltar ao Madeira SAD porque era a minha segunda casa. Foi ali que eu passei muitos anos da minha vida e foi bom ter regressado. Foi pena não termos sido campeãs nacionais, apenas vencemos a Taça de Portugal mas acabei bem junto de pessoas que me acolheram e só tenho a agradecer àquele clube. E não foi difícil deixar de jogar, porque eu não terminei devido a lesão, foi uma coisa planeada. Eu tinha tirado o curso de Enfermagem para que, um dia mais tarde quando deixasse de jogar, pudesse ter o meu sustento. Eu incentivo sempre os jovens a fazer as duas coisas em paralelo, porque é muito importante, caso aconteça alguma coisa na nossa vida desportiva, termos algo que nos segure. O desporto não dura para sempre.”

É a segunda jogadora com mais internacionalizações pela Seleção Nacional no escalão de seniores. Como é define a sua carreira com a camisola de Portugal?

“Foi um percurso muito gratificante. Aprendi com quem já lá estava e depois passei alguns ensinamentos às mais novas. Não há melhor sensação do que defender as cores da nossa Seleção, daí talvez ter demorado tanto a deixar (risos).”

Teve um papel importante na qualificação de Portugal para o Europeu de 2008. Esse foi o momento mais alto com a camisola da Seleção Nacional?

“Tive muitos momentos bons ao serviço de Portugal. O apuramento para o Mundial de Juniores, em 1997, foi um deles e para o Europeu de 2008 também porque já foi numa fase avançada da minha carreira e era algo que eu queria fazer antes de me retirar.”

Presente: Responsabilidade durante e depois do andebol

Depois de terminar a carreira foi mais fácil conciliar o andebol com a enfermagem?

“Não posso dizer que tenha sido fácil. Eu pensava que não tinha tempo quando era jogadora e, agora sendo Vice-Presidente, percebo que ainda tenho menos tempo para conciliar as duas profissões. Como jogadora só tinha responsabilidades dentro da minha equipa e, na Federação de Andebol de Portugal, o nosso trabalho é repartido por um campeonato inteiro, clubes e associações, o que torna essa responsabilidade acrescida. Uma questão curiosa é o facto de, ainda hoje, com funções diferentes das que tinha como jogadora, continuo a trabalhar em equipa. Este convite surgiu pelo Doutor Ulisses Pereira, em 2012, e claro que aceitei sem hesitar para continuar perto desta modalidade da qual eu tanto gosto.”

Como é que tem vivido esta situação de pandemia, estando na linha da frente?

“É uma situação complicada. É um tipo de doença à qual não estamos habituados, porque para a maioria das doenças com que nós lidamos há uma cura ou sabemos que existe uma determinada medicação. Nesta caso, ainda está por descobrir. O que temos feito e devemos continuar a fazer é seguir as recomendações da DGS, cumprir o distanciamento social e lavar as mãos. É difícil para os doentes e para as famílias mas, para o bem de todos, tem que ser assim, infelizmente. Têm sido dias cansativos para mim e para os meus colegas, porque acabamos por ter um serviço mais exigente.”

O facto de ser considerada uma referência na modalidade pesou na decisão de ficar ligada ao andebol feminino depois de ter terminado a carreira?

“De certa forma sim. Uma pessoa quando é considerada uma referência tem que saber a influência que tem no desenvolvimento dos jovens. Temos que tentar fazer as coisas da forma mais correta porque sabemos que há pessoas que vai seguir os nossos passos e o objetivo é que essas pessoas pratiquem desporto e continuem os estudos da melhor forma possível. O desporto dá-nos isso, disciplina, rigor e respeito.”

Como vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, como é que olha para o futuro em termos competitivos?

“As pessoas que praticam desporto estão com vontade de voltar ao ginásio, ao pavilhão, mas tem que ser um regresso em segurança. Só para fazer uma comparação, quando a época ainda estava a decorrer havia aquele tempo de descanso e depois já queríamos voltar à ação. É mais ou menos isso que está a acontecer agora, as pessoa estão desejosas de voltar a jogar, correr, marcar golos e dar espetáculo. Porque o andebol é isso mesmo, um espetáculo.”

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