“Aqui vemos miúdos a jogar andebol nos intervalos, enquanto que na maioria das escolas jogam futebol.”
Com o objetivo de promover a cultura do andebol na região da Quinta do Conde, em Sesimbra, Pedro Cacho – professor de Educação Física e com orientação para o andebol – chegou à Escola Básica da Boa Água em 2013 e encontrou duas equipas de desporto escolar de basquetebol e de atletismo. Rapidamente reuniu esforços para que alguma delas fosse vocacionada para o andebol e conseguiu. Nesse mesmo ano, começou “a desenvolver o andebol com uma equipa de Infantis B e, no ano seguinte, fiquei com duas equipas de andebol.” Foi desta forma que o andebol ganhou, pela primeira vez, espaço naquele Agrupamento de Escolas da Boa Água. Uns anos mais tarde, desafiado por um colega, levou a avante o desejo de formar um clube na Quinta do Conde, propôs a ideia ao Diretor da escola que prontamente se mostrou recetivo. “Conseguimos unir os interesses da Câmara Muncipal de Sesimbra, da Junta de Freguesia, da Associação de Andebol de Setúbal, com a ajuda da Federação de Andebol de Portugal também. Em 2015 assinámos um protocolo e em setembro de 2016 constituímos um clube e começámos a participar nas competições.”
Assim nasceu o Clube Desportivo Escolar da Boa Água, que começou com uma equipa federada de minis masculinos, com cerca de 12 atletas e que, nesta época, prestes a completar quatro anos de existência, conta com um clube, com seis equipas e mais de 80 jogadores e jogadoras. “Para o ano teremos sete equipas a competir e esperamos chegar aos 100 atletas inscritos. O crescimento tem sido para lá daquilo que esperávamos.” – revela Pedro Cacho.
Quase quatros anos após o surgimento do clube, o treinador considera que o projeto tem superado as expetativas pessoais. “Já estive ligado a outros projetos e nunca consegui ter uma resposta tão boa da comunidade da Quinta do Conde, porque esse é também um elemento essencial. É uma região com tradição de vida associativa, a população envolve-se e acaba por ajudar.” – salienta.
Em termos de resultados, há alguns que merecem o devido reconhecimento, tais como, a conquista de dois Torneios Inter-Regionais no escalão de infantis femininas afirmando-se como a melhor equipa de Lisboa, Setúbal e Santarém e terminaram a participação no Encontro Nacional de Infantis no 8.º lugar. No masculino, os infantis encerraram a época passada em 2.º lugar, no Campeonato Regional e, este ano, eram líderes quando as competições foram interrompidas devido à pandemia. “Estamos a conseguir bons resultados, fruto do trabalho contínuo e o nosso objetivo é conseguir manter a filosofia que temos, que é essencialmente voltada para a formação, e melhorar as condições. Tempo de treino, material disponível, envolver cada vez mais os pais, criar uma mentalidade de participação nos mesmos de forma a que, o problema mais comum da logística, não seja um entrave.” – reforça Pedro Cacho.
O fundador e treinador do Clube Desportivo Escolar da Boa Água adianta ainda que os alunos “começam a ter andebol no terceiro ano e agora até já estamos a trabalhar com eles a partir do segundo. Ou seja, o tempo de prática acumulado ajuda a explicar os resultados. E também pelo facto de termos uma prática protegida – porque é feita em ambiente escolar – os miúdos acabam as aulas e vão para o pavilhão treinar, a própria cultura do andebol começa a enraizar-se na escola e isso reflete-se quando vemos miúdos a jogar andebol nos intervalos, enquanto que na maioria das escolas jogam futebol.”
O facto de o Agruamento de Escolas da Boa Água terminar o ensino no 9.º ano faz com que, os atletas que atinjam o escalão de juvenil mudam de escola e acabem por procurar outros clubes para continuarem com a prática do andebol. Pedro Cacho considera que este fator, aliado aos recursos limitados que o clube tem ao dispor, impossibilita os responsáveis do clube de manter os dois géneros em toda a sua longitude. Face ao problema da falta de desportos coletivos femininos na região, o CDE da Boa Água assume-se também como um projeto de proteção especial do andebol feminino. “Na prática isto consiste em, por exemplo, na próxima época, os nossos jogadores mais antigos, que começaram em 2016, são juvenis e terão que procurar clubes que existem aqui à volta; enquanto que as femininas do mesmo escalão vão continuar cá. A nossa filosofia em termos de projeto é dar condições para que o andebol feminino possa continuar, mesmo até seniores. Se houver procura nesse sentido, teremos uma equipa de seniores femininos. No masculino isso não será possível, a menos que haja uma grande revolução, um grande envolvimento e condições especiais para que isso possa acontecer. Porque nós temos o apoio do Agrupamento de Escolas da Boa Água que, com o orçamento do desporto escolar, suporta uma parte das nossas despesas mas há um limite para o nosso crescimento. Ou seja, ter equipas masculinas e femininas até seniores é impraticável“.
“No panorama de clubes pequenos, não se faz nada sem as famílias, sem a comunidade”. Pedro Cacho considera que tem a sorte de poder contar com o contexto escolar para fazer crescer o projeto criado há quase quatro anos e que os pais dos alunos/atletas têm um papel determinante no desenvolvimento do cube. “A escola dá-me uma base sólida ao nível do recrutamento, ou seja, os miúdos já estão cá. E se nós não começarmos a ensinar-lhes o andebol aos 6, 7 anos eles não vão começar a praticar andebol aos 10, 11 anos. Os outros clubes queixam-se porque querem entrar nas escolas, incentivar os miúdos para os clubes e eu já estou na escola, não posso perder essa oportunidade. O clube tem crescido à conta do esforço das famílias e não sabemos até onde irá crescer.”
Pedro Cacho é o responsável por coordenar tudo que envolve o dia-a-dia do CDE da Boa Água, sempre que assim o consegue. O treinador faz a ligação do clube com a direção da escola, com a Câmara Municipal e tenta “que cada equipa funcione como um polo dinamizador em que o objetivo passa por mobilizar as famílias.” Atrair as famílias para assumir funções no clube tem sido uma alavanca no crescimento do clube da Quinta do Conde e “o dirigismo nasce da boa relação entre as famílias, os atletas e o próprios treinadores que mobilizam e incentivam essa participação. Os nosso dirigentes são todos pais e mães, até mais mães porque são mais envolvidas e mais consistentes na educação dos filhos, sejam rapazes ou raparigas. Estou bastante satisfeito com a resposta que tenho tido ao nível das famílias.” – revela Pedro Cacho.
A nível técnico, existem dois treinadores principais do clube que, como pertencem aos quadros da escola não garantem custos à instituição; um Professor de Educação Física, antigo docente do Agrupamento de Escolas da Boa Água e um antigo árbitro que se interessou pelo projeto e dirige também uma equipa no clube. A filha de Pedro Cacho, atleta de andebol do escalão de juvenis, ajuda também na orientação dos treinos das equipas, uma vez que possui o Curso de Treinador Grau 1. “Entretanto temos outras ajudas que a escola e o próprio projeto fornecem, por exemplo, através dos Planos Curriculares Individuais. Isto consiste em ajudar os alunos com dificuldades em fazer o percurso educativo regular com recurso a uma formação mais parecida com aquilo que é o ensino profissional, o que quer dizer que podem fazer estágios em áreas do interesse deles. E nós temos tido alguns mais velhos que vêm fazer estágios no andebol, são adjuntos e isso ajuda-nos nos escalões mais novos. Para além disso, o próprio clubes tem vindo a ser alvo de interesses de pessoas externas que se oferecem para participar, ou porque conhecem pessoas que trabalham cá ou porque moram aqui perto.”
Pedro Cacho acredita que o crescimento do clube está limitado por fatores relacionados, não só com a questão financeira, mas também com as horas passadas no pavilhão a treinar. Sendo que apenas um pavilhão serve de “casa” a vários clubes da região, a divisão de tempo para que todos possam treinar impede o CDE da Boa Água de pensar em voos mais altos. “Esta é uma outra dificuldade, perceber qual é a resposta autárquica ao aumento de pressão sobre os espaços, se faz mais pavilhões, se não faz e mantém tudo na mesma e continua a dividir o espaço pelos vários clubes. Mas se nós precisamos de mais e não temos, o nosso crescimento está limitado. Temos que lidar com isto e perceber a par e passo, com calma, o que é possível fazer. Sabemos que à nossa volta os outros clubes estão interessados nos nossos jogadores, já aconteceu com os juvenis que terminaram o percurso no nosso clube e continua a ser com os outros escalões. Eles não ficam sem andebol, se quiserem. Se nós tivermos condições para dar uma resposta melhor à comunidade, tentaremos fazer com que isso seja uma realidade.” – remata.