Ana Sobral: “Era vista como um prodígio quando era nova e não tinha noção disso”

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Atual técnica das seniores do SL Benfica foi a jogadora mais nova de sempre a estrear-se pela Seleção Nacional A recordou o passado como jogadora e a transição natural para treinadora.

Atualmente com 53 anos, Ana Sobral está no segundo ano à frente da equipa senior feminina do SL Benfica, por onde passou também como jogadora durante 10 anos. A antiga lateral/central, que representou a Seleção Nacional por 110 vezes fez uma viagem ao passado e recordou os melhores momentos da carreira.

Passado: Nas seniores de Portugal aos 14 anos

“Eu comecei a jogar com 11 anos, no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho. Quando fiz 12 anos fui ao primeiro estágio da Seleção, que foi na Serra da Estrela, em que ía jogar com atletas muito mais velhas do que eu e fiz a minha estreia como internacional na época 1980/81.”

Estreou-se com 14 anos num jogo contra a Holanda, num torneio em Las Palmas. Lembra-se desse jogo? Estava nervosa?

“Claro que sim, apesar de que muitas das jogadoras que lá estavam eram minhas colegas de equipa. Esse foi o meu último ano no Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho e a selecionadora nacional nessa altura era também a minha treinadora no clube, a professora Fátima Monge da Silva. Claro que era um contexto diferente, eram pessoas bastante mais velhas do que eu. Estava muito nervosa mas sempre a encarar tudo melhor forma possível, de querer ser melhor e de querer estar ao lado das melhores. Naquela altura elas eram os meus ídolos.”

Ter começado a jogar cedo ao mais alto nível obrigou-a a um crescimento repentino?

“Hoje em dia começa-se a jogar com 5 ou 6 anos mas naquele tempo, começar com 11 anos era muito cedo, até demais para aquilo que era normal. Tanto que na minha altura não havia um escalão para eu jogar, tive que fazer uma subida de escalão para poder jogar andebol. O que eu acho que teve grande importância para ter chegado ao escalão de seniores e à Seleção com 14 anos foi o facto de sempre ter feito desporto antes de entrar para o andebol. Os meus pais colocaram-me logo na ginástica e na natação aos dois anos de idade, porque a minha irmã mais velha também o fazia. Em termos de desenvolvimento motor, eu estava preparada para desempenhar qualquer atividade desportiva porque já tinha muitos anos dessa base. E isso fez com que eu tivesse uma ascensão mais rápida.”

Quando saiu do Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho, Ana Sobral esteve dois ano no Campo de Ourique e depois foi para o SL Benfica, com 15 anos e integrou logo a equipa sénior.

“Aos 14 anos, quando já fazia parte da Seleção comecei a jogar sempre nas equipas seniores, mesmo no clube. Às vezes ía ao escalão abaixo, às juniores, mas normalmente estava sempre na equipa senior. Tive um caso curioso em que o Centro de Medicina Desportiva não me deu uma aptidão especial e então não podia jogar no escalão de seniores nesse ano, mas na Seleção já podia. Então tive que jogar durante um ano nas juniores mas quando ía à Seleção jogava pelas seniores. Foi um episódio engraçado porque para mim era uma contradição poder jogar a um nível mais competitivo em termos internacionais mas não a nível nacional. Tirando essa situação joguei sempre ao mais alto nível.”

Depois de 10 anos no SL Benfica e de dois anos no Paço de Arcos e União de Almeirim rumou à Madeira para representar o Académico do Funchal. Como é que foi essa mudança para fora do continente?

“Isso acontece na altura em que a Madeira começou a apostar no andebol feminino e muitas jogadoras saíram do continente para ir para lá. E muito bem, a meu ver, cresceram muito em termos de andebol tanto que depois dominaram durante muito anos. Quando eu me mudei para lá já era licenciada e antes de ir pensei que era uma boa opção para mas nunca podia deixar a minha profissão que era – e ainda é – professora de Educação Física. Claro que foi extremamente positivo porque, na verdade, encontrei um local onde podia fazer dois ou três treinos por dia, algo que aqui em Lisboa era complicado. Na Madeira tudo é mais perto e tudo se torna mais fácil, então fazíamos musculação de manhã, treinávamos à hora almoço e depois ao final do dia. Eu não era profissional mas era quase, apesar de continuar a dar as minhas aulas que era algo do qual eu nunca quis abdicar.”

Quando era mais nova era considerada um prodígio no andebol. Tinha noção disso?

“Não, não tinha muita noção disso. Eu sempre fui muito exigente comigo mesma e por um lado era muito perfeccionista, queria ser sempre melhor, fazer algo diferente e arranjar uma solução para cada dificuldade. Por exemplo, quando comecei a jogar nas seniores tinha dificuldades em termos defensivos e então comecei a observar e a pensar de que forma é que eu poderia superá-las. Lembro-me de ter visto muitos jogos de basquetebol, porque nessa modalidade eles têm que se adaptar e antecipar muito mais em termos defensivos e aprendi muito a ver esses jogos. Também aprendi de igual forma com as Seleções Nacionais e com os seniores masculinos e sempre que entrava para um treino era para dar o máximo. A minha forma de estar naquela altura era tentar ser melhor individualmente e ajudar a equipa para também ela ser melhor.”

Sente que o gosto pela modalidade cresceu à medida que a Ana também ia crescendo como jogadora?

“Sim, sem dúvida. Antes de eu entrar para o andebol, podia ter ingressado noutra vertente qualquer porque eu sempre gostei de todos os desportos. Mas entrei para o andebol porque era esta modalidade que havia na escola onde eu estudava. Ainda houve uma altura, por volta dos 13 anos, que ponderei deixar o andebol e voltar novamente à natação. Mas depois, com os estágios da Seleção e tudo mais pensei que já que estava ali ía continuar. E senti isso mesmo, ao longo da prática e da evolução comecei a gostar cada vez mais do andebol.”

Que papel teve Fátima Monge da Silva na sua carreira?

“Teve um papel extremamente importante porque foi a pessoa que começou comigo, que me ensinou o bê-á-bá da modalidade. Como eu costumo dizer, foi uma segunda mãe para mim e eu devo-lhe tudo. Foi uma pessoa que eu tive a sorte de conhecer e que me ensinou tudo. Hoje em dia temos uma relação ótima e profunda de amizade, como tenho também com outras pessoas e foi tudo graças ao andebol.”

Uma das lesões mais graves que teve foi no joelho. Como é que se reergeu depois disso?

“Eu tive muitas lesões. A lesão no joelho foi talvez a mais grave e aconteceu num Mundial, no segundo jogo dessa competição e fiz uma rotura dos ligamentos cruzados. Na altura fiquei extremamente frustrada porque limitou-me e já não pude fazer mais nenhum jogo nesse Mundial. Antes disso e também noutro Mundial, parti o nariz num jogo contra a Espanha mas essa lesão não me impediu de continuar a jogar. Houve a fratura, o Dr. Pereira de Castro – que era o médico da Seleção na altura – fez a redução nesse mesmo jogo e eu continuei a jogar nesse Campeonato do Mundo, apesar de haver alguma preocupação da equipa médica. A verdade é que eu não tinha nada nas pernas nem nos braços e estava ali para jogar (risos). Hoje em dia, quando encontro o Dr. Pereira de Castro e o fisioterapeuta José Luís Rocha ainda falamos dessas histórias porque, para eles, era inacreditável como é que eu ía jogar. Mas tive também outras lesões mais pequenas, mas todas elas, que, obviamente, são frustrantes no momento porque nós ficamos impedidos de dar o nosso contributo e de fazer aquilo que tanto gostamos, mas tornaram-me uma pessoa mais forte. Fui intervencionada cirurgicamente em duas delas, fiquei limitada em termos de treinos mas não deixei que isso me deitasse a baixo. Mentalizei-me de que tinha que voltar mais forte porque era aquilo que e gostava de fazer. Nas últimas lesões os médicos já diziam: “bem, agora é que vai desistir”, e eu voltava sempre a jogar (risos).”

Deixou de jogar aos 35 anos. Foi uma decisão fácil de tomar?

“Nessa altura já estava no SIM Porto Salvo e os últimos dois anos estive como treinadora/jogadora. Mas a meio do segundo ano percebi que era impossível conciliar as duas coisas e decidi desistir de ser jogadora para me dedicar inteiramente à vertente de treinadora. Deixei de jogar tarde mas comecei cedo a ser treinadora. Com 17 anos já dava treinos a raparigas mais novas, quando estive no SL Benfica. Eu sempre gostei muito da vertente de treino, porque considero que é a base ide tudo e sempre me apaixonei muito por isso. Nos últimos anos da minha carreira de jogadora já não gostava tanto da competição em si, gostava sim e cada vez mais do treino.”

Quais foram os melhores momentos enquanto jogadora na Seleção Nacional?

“Para já, quando comecei a ir com mais assiduidade à Seleção. Depois, as participações nos Campeonatos do Mundo. Na minha altura era diferente em termos de competição, havia o Mundo A, B e C, como se fossem divisões e havia as fases finais. Agora são apuramentos e eu ainda fiz alguns, numa fase com mais idade. Mas a presença nesse tipo de competição é aquilo que qualquer jogadora ambiciona.”

Presente: Trazer o andebol feminino de volta à Luz

A decisão de treinar as seniores do SL Benfica foi imediata?

“Tive que refletir, claro, apesar de que quem me fez este convite foi um antiga colega minha de muitos anos, a Irene Henriques e era difícil dizer que não. Ela convidou-me para aceitar este desafio e eu achei que era muito importante para mim e para o SL Benfica voltar ao andebol feminino. Ainda por cima com as condições que este clube tem, podia ser uma mais valia a todos os níveis. Ajudou também o facto de eu nutrir uma paixão enorme pelo SL Benfica, por onde passei durante 10 anos enquanto jogadora.”

Durante um determinado espaço de tempo esteve à frente da equipa senior masculina do SL Benfica. Como é que foi essa experiência?

“Foi mesmo um curto espaço de tempo. Não fui propriamente treinadora mas acompanhei-os diversas vezes em termos de jogo porque, nessa altura, eu treinava os juvenis masculinos – onde estive durante oito anos antes de treinar as femininas – e foi uma coincidência. Lembro-me que o primeiro jogo foi numa eliminatória da Taça de Portugal com o Vitória de Setúbal, depois foi com o Marítimo para a mesma competição, na Madeira, e depois ainda acompanhei a equipa num jogo com o FC Porto, na Luz. Foi uma experiência engraçada e interessante. Na altura era o professora José António Silva que treinava os seniores e ainda trocámos algumas ideias.”

Tendo experiência em treinar masculinos e femininos, que diferenças encontra nas duas situações?

“Depois de eu ter estado oito anos ligada ao andebol masculino voltei ao andebol feminino e sempre tive a ideologia de que o andebol era igual para todos. Em termos de postura, achei que os rapazes são muito mais competitivos e conseguem atingir os objetivos que são propostos mais rapidamente. Outra situação é que eles podem chatear-se num treino ou num jogo e, passado um dia, já ultrapassaram. Quanto às raparigas, por vezes, deveriam estar com o mesmo empenho mas não estão e pensam demasiado em coisas que não têm tanta importância, o que é mais difícil de superar.”

Como é que tem acompanhado o desenvolvimento da Seleção Nacional feminina?

“Desde que algumas atletas começaram a ir jogar para outros campeonatos mais exigentes, o que lhes dá hipóteses de trabalharem a um nível totalmente diferente do que fazem cá – porque também têm apoios para isso, são profissionais, remuneradas e podem dedicar-se inteiramente à modalidade – os resultados vão aparecendo. Mais dia, menos dia, as coisas vão mesmo aparecer, acho que só falta um pequeno click para elas darem o salto em termos de apuramento para uma fase final de uma grande competição. Acho que o trabalho está a ser muito bem feito e elas estão preparadas para isso.”

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