Aos 47 anos, Carlos Galambas foi uma referência enquanto jogador e tem o estatuto de ter participado em todas as fases finais de Campeonatos da Europa e do Mundo que Portugal disputou. O antigo pivô, que, como sénior, esteve ligado ao ABC/UMinho durante 15 anos e passou também pelo Madeira SAD e pelo Sporting CP revelou, em entrevista, que gostava de voltar a estar ligado à modalidade e falou da qualidade de pivôs que Portugal tem, neste momento. Carlos Galambas é o terceiro jogador português com mais jogos pela Seleção Nacional (186) e não esconde a gratidão por ser um exemplo para outros atletas.
Esteve presente em todas as fases finais de Campeonatos da Europa e do Mundo por Portugal. Que sabor teve para si o 6.º lugar alcançado, que superou o 7.º conquistado em 2000 e do qual fez parte?
“É um sabor ótimo, positivo, alegre, nem sei que adjetivo hei de dar a estas imagens e a estes jogos que eu vi da nossa Seleção. Eu pertenci à equipa que conquistou o 7.º lugar em 2000 e agora queria que Portugal tivesse sido campeão da Europa. Ficava todo contente que eles tivessem feito ainda mais e melhor, e acho que até era possível, tirando alguns jogos menos conseguido de todas as equipas – pelo menos enquanto conhecedor da modalidade refiro-me às equipas de arbitragem que não nos deixaram ir mais além, em alguns jogos. Esta é uma opinião muito própria. Mas gostei muito de ver esta prestação e não desejo mal aos outros por me terem ultrapassado, aliás, eu fiz o meu trabalho, o meu tempo enquanto jogador já acabou e não posso nem quero desejar mal a quem fez melhor do que a minha geração. Pelo menos eu penso assim. Fiquei genuinamente contente com este resultado e, no fundo, se somos ambiciosos até temos que ficar “chateados” com este 6.º lugar porque temos valor para fazer mais e estou de acordo com as palavras do professor Paulo Pereira. Acho que temos que ter o objetivo de querer mais, de ir aos Jogos Olímpicos e de fazer melhor.”
Acha que é possível Portugal continuar esta onda de sucesso e estar presente nos Jogos Olímpicos e no Mundial?
“Tirando esta pandemia que nos afetou a todos, acho que Portugal estava com um andamento muito bom para que, no futuro, pudéssemos chegar aos Jogos Olímpicos. Não só a Seleção mas também os clubes estavam todos a trabalhar muito bem, porque isto é o fruto do trabalho de todos. Mesmo em termos de mediatismo, o andebol voltou à televisão, voltou a ser falado continuamente nos jornais, eu acho que estávamos no bom caminho e este percalço do Covid-19 veio interromper esta onda positiva. Espero que, nos próximos tempos, consigamos atingir este feito novamente porque acho que temos qualidade e jogares para isso. Temos uma equipa jovem e os jogadores, apesar de estarem parados, vão ficar mais maduros. Espero que quando retomarmos as competições, com a Seleção, Campeonato, Liga dos Campeões e Taça EHF, o andebol seja falado da mesma maneira. O trabalho que estava a ser feito pela Federação, clubes e associações, toda essa máquina em movimento, estava a funcionar muito bem. No andebol mundial, Portugal era uma Seleção que voltou a aparecer e fez com que toda a gente tivesse muito mais cuidado e respeito.”
Falando especificamente da posição de pivô. Com a evolução do andebol, era mais fácil desempenhar essa função antigamente ou hoje em dia?
“São tempos diferentes. Para já pela robustez, acho que os jogadores são muito mais fortes fisicamente do que eram no meu tempo. Também houve evolução na parte técnica, na parte da execução. Mas por exemplo, eu era um jogador que nunca fiz uma rosca mas também marcava golos e hoje em dia todos os pivôs fazem roscas. Eu tinha um ditado que era ‘faz o que sabes e tenta fazê-lo bem’ e como eu não sabia fazer roscas não fazia (risos). Eu acho que hoje em dia um pivô marca golo e a bola pode ser reposta rapidamente no meio campo e mesmo a substituição é muito mais difícil. A dificuldade passa por aí, o andebol está mais rápido, houve uma evolução de todo o tamanho. Mas quem era bom antigamente – e na minha geração éramos todos bons jogadores, porque temos que dar o mérito a quem lá andava e fez o que fez, tal como a geração de hoje – penso que se enquadrava nos dias de hoje. Modéstia à parte, eu ou qualquer jogador da minha geração, se recuasse 20 anos também jogaria hoje em dia, é como andar de bicicleta. Agora, também melhorava as condições físicas e eu próprio teria que ser mais rápido. Tudo mudou, por isso, cada tempo habitua-se às condições do momento e o desporto não foge à regra. Os pisos, as sapatilhas, as joalheiras, as bolas, as balizas, os equipamentos, é tudo melhor hoje em dia. Para o meu tempo acho que fizemos um excelente trabalho e esta geração agora também estão a fazer um ótimo trabalho com as condições que têm. Mas também acho que um jogador de hoje jogava bem no meu tempo, o Tiago Rocha, o Alexis Borges, o Luís Frade. Ficávamos muito mais fortes se tivéssemos estes jogadores a atuar na minha altura, mais o Galambas, o Armando Pires, o Ricardo Tavares, era uma mão cheia de pivôs de excelente qualidade.”
Sente que teve alguma influência no percurso que o Tiago Rocha teve até hoje, em termos de espírito de liderança e de estilo de jogo?
“Só depois das coisas acontecerem é que eu tenho noção de que havia alguns jogadores que jogam agora na minha posição que gostavam de me ver jogar e tentavam imitar o que eu fazia. Modéstia à parte, mais uma vez, acho que fui um exemplo durante algum tempo na posição de pivô – e gosto de saber isso – mas não me considerava o melhor de Portugal. Eu tinha a sorte de jogar mais tempo na Seleção, jogava numa grande equipa que era o ABC e depois também era muito bem servido, porque um pivô só bom se tiver jogadores com qualidade na primeira linha. Para fazer o que fazia também tinha que estar sempre rodeado de grandes jogadores e até de grandes treinadores. Por acaso agora tenho uma boa relação com o Tiago Rocha e ele já me disse que me via como uma referência, mas ele foi ensinado de outra maneira e tem um estilo próprio de jogar. Eu também via outros jogadores como exemplo, nas seleções espanhola, alemã, francesa, etc. Eu não queria ser igual a eles mas tentava fazer as coisas como eles faziam, a maneira de trabalhar, de bloquear, de rematar e depois adaptava às minhas características. Eu saltava pouco e sempre mais para os lados e nunca para cima, eu “voava” mas muito rasteiro (risos) e fui ensinado a nunca fazer um remate sem ser em queda, da posição de pivô. E hoje vejo muitos pivôs que não saltam a dois pés antes de rematar, mas cada um tem a sua característica. Na minha geração também havia bons pivôs, eu tive foi a sorte de estar no sítio certo, na altura certa mas também ter correspondido.”
Quando era jogador tinha a ambição de jogar no estrangeiro? Se sim, porque é que nunca se proporcionou?
“A verdade é que eu acho que todos os jogadores têm essa ambição e temos que ser realistas, nem que seja para poder ganhar mais dinheiro. Nós dizemos sempre que no estrangeiro pagam mais e quem é que não gostava de ter a oportunidade que o Alexis Borges e o Gilberto Duarte tiveram de jogar no Barcelona? Eu também gostava e tive sempre esse sonho de jogar no estrangeiro, não só pelas melhorias contratuais, mas também de poder experimentar outros campeonatos – apesar de que, na minha altura, todas as equipas tinham jogadores estrangeiros, ou seja, o nosso campeonato também já era competitivo. Agora, no meu caso, nunca se proporcionou ir para o estrangeiro e eu podia dizer que tive imensos convites mas não, tive apenas um. Hoje em dia todos os jogadores têm empresários, na minha altura não havia isso, apenas no futebol e a proposta que eu tive foi-me dada a conhecer por uma pessoa – no apuramento para o Mundial do Japão, quando defrontámos a Alemanha – que me abordou no final do jogo e disse que queria levar-me para a Alemanha para jogar numa equipa que queria subir de divisão, para a Bundesliga, mas cujo objetivo era formar um plantel ganhador para a 2.ª divisão. Eu questionei os diretores do ABC quanto a essa possibilidade, ainda entrámos em contacto com o clube em questão, mas depois eu nem quis saber de valores porque entretanto renovei com o ABC e continuei a jogar na Liga dos Campeões. Essa foi a única proposta que tive.”
No tempo em que o Carlos era jogador houve alguns treinadores e até jogadores estrangeiros que revolucionaram o andebol em Portugal, como o Aleksander Donner, por exemplo. Nos dias de hoje essa aposta tem continuado, é legítimo crescer e evoluir nessa base?
“Eu penso que sim e os resultados estão à vista, sem tirar mérito aos treinadores portugueses, obviamente. São outras maneiras de pensar, de treinar e outra mentalidade que faz com que haja uma evolução. Se os estrangeiros tiverem qualidade, atém podem acrescentar uma melhor mentalidade de espírito de grupo e isso, na minha altura no ABC aconteceu. Foi uma grande evolução para o andebol português, o Vladimir Bolotsky e o (Viktor) Tchikoulaev até fizeram parte da seleção nacional, tal como os jogadores cubanos que temos hoje e isso aumentou o nível do nosso andebol. Qualquer jogador que jogasse na mesma posição que o Tchikoulaev e que o Bolotsky tinha que trabalhar o dobro para jogar e para ser convocado para a Seleção. Quando eu cheguei ao ABC, por exemplo, senti que se não trabalhasse todos os dias de manhã e à tarde, tal como o fiz durante a minha carreira, não conseguia acompanhar o nível dos jogadores da minha equipa. Quando tive a experiência de ser treinador disse sempre aos meus jogadores que o difícil não é jogar andebol, mas sim manter o nível, jogar, ser titular e continuar a mostrar. A vinda dos jogadores cubanos tanto para o FC Porto como para o Sporting CP, assim como os treinadores estrangeiros, toda esta envolvência aumentou o nível do andebol português e foi uma ajuda para a nossa Seleção.”
Para além de Tiago Rocha, Portugal tem dois pivôs – Alexis e Daymaro – que não nasceram em Portugal mas que hoje defendem as cores do nosso país. Que importância é que estes dois jogadores tiveram no sucesso recente?
“Eu acho que tiveram uma importância extrema. Para já porque são dois jogadores enormes fisicamente e dois grandes defensores. O Daymaro destacou-se mais pela parte defensiva, o Alexis trouxe os conhecimentos que adquiriu no Barcelona, porque treinou um ano inteiro com grandes jogadores, e está num nível elevadíssimo. Só conseguimos marcar golos depois de defendermos bem, porque se tivermos 30 defensores e sofrermos 30 golos será difícil ganhar o jogo. E tenho que fazer uma ressalva ao (Alfredo) Quintana que defendeu tudo e mais alguma coisa, neste Euro particularmente. Mas no caso do Alexis e do Daymaro, o nosso sucesso deve-se também a eles sem esquecer, obviamente, o Tiago Rocha e o Luís Frade. Em termos de pivôs, não vejo tanta qualidade em tantos jogadores nas outras Seleções como na nossa. O Paulo Pereira está, de certeza, muito contente por ter este leque de escolhas para aquela posição.”
O Luís Frade é muito jovem e está a ganhar aos poucos espaço na Seleção. O futuro para aquela posição, que em tempos foi também a sua, está assegurado?
“O (Luís) Frade só veio mostrar que vamos ter um grande jogador no futuro, durante largos anos. Nos próximos anos será ele e mais seis (risos). Tem capacidade para chegar ao topo, mas lá está, tem que manter. De certeza que vai trabalhar muito para jogar ao mais alto nível. E vejo-o a jogar durante muitos anos porque, nesta posição, pode-se jogar até a uma idade mais avançada se o jogador cuidar do corpo e se for sempre profissional. No meu caso, por exemplo, joguei até aos 38 anos e talvez não fosse tão cuidado porque não havia a nutricionista, os batidos e os suplementos que agora envolvem o desporto. No meu tempo acabava o jogo e nós bebíamos água com limão e açúcar (risos) mas quando joguei no Sporting ainda apanhei essa fase de transição.”
Quando se retirou como jogador tinha bem definido que no futuro continuaria ligado à modalidade?
“Eu tinha definido que gostaria, e muito, de continuar ligado ao andebol. Por agora não estou, mas tenho sempre a modalidade debaixo de olho e acompanho, de fora. Tenho das minhas ideias. Ainda tenho o andebol bem presente na memória e aprendi com muitos treinadores, muitos jogadores, tive a sorte de jogar em muitos Mundiais e Europeus, mas não estou ligado à modalidade. Não é culpa de ninguém, se calhar é culpa minha, mas gostava de voltar um dia mais tarde como treinador. Apesar de tudo, gosto muito de ver estes resultados e dou valor a quem o tem e em Portugal todas os envolvidos estão a trabalhar muito bem.”
Esteve ligado ao ABC durante muitos anos e esta época o clube só assegurou um lugar nos seis primeiros no último jogo. Continua um adepto dessa equipa? Festejou essa “conquista”?
“Eu fui diretor do Sporting CP, ainda há pouco tempo e mesmo como jogador eu quis sempre ganhar ao ABC porque sempre fui profissional e sempre respeitei quem me pagava e o emblema que representava. Tirando isso, tendo estado 15 anos ligado ao clube e tendo sido tratado da maneira que fui, as vivências que tive e os amigos que fiz, logicamente que tenho que dizer que o ABC está no meu coração. Como também o Sporting CP e o Madeira SAD, mas o número de anos também conta e 15 anos foi muito tempo. Neste momento, fico muito triste porque o ABC tem todas as condições para estar no nível que estava nos meus tempos, não digo chegar à final da Liga dos Campeões, mas para lutar pelo título. As infra-estruturas estão velhas – quando lá cheguei era o mesmo que Pavilhão que é hoje – e isso é uma situação que a própria cidade teria que rever. Mas as pessoas, a escola e a vontade de trabalhar do ABC ainda continua a dar muito fruto e acho que só não está melhor por razões políticas, mas não vou entrar por aí. A verdade é que o clube não merecia estar como está, porque há pouco tempo foi campeão nacional e ganhou uma Supertaça. Basta as pessoas que estão de fora quererem que o ABC volte a ser o clube grande que foi. Acho que isso ainda vai voltar a acontecer um dia.”