David Tavares: “Termos ganho à França na qualificação foi um sinal de que algo de muito bom estava para vir”

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Antigo ponta direita da Seleção Nacional, que conquistou 13 títulos em Portugal e realizou quase 150 jogos de Quinas ao Peito, fez uma retrospectiva da carreira, que conta com passagens por três clubes grandes do campeonato português bem como pela Liga Asobal.

Aos 39 anos, David Tavares ainda tem bem presente os anos de ouro que viveu no Andebol em Portugal. Terminou a carreira na época 2014/15 depois de conquistar uma Taça de Portugal pelo ABC/UMinho. No total, ergueu 13 troféus internos a nível profissional: quatro Campeonatos Nacionais e outras tantas Supertaças, três Taças de Portugal e duas Taças da Liga. Atualmente faz parte da equipa Masters Andebol Porto, pela qual já foi Campeão Nacional por duas vezes. Vestiu ainda a camisola da Seleção Nacional por 149 vezes. Em entrevista, o antigo ponta direita recordou a passagem pelo FC Porto, a mudança para Espanha e o regresso a Portugal para representar o SL Benfica.

Passado: Qualidades acima da média reconhecidas

Fez a formação no Colégio dos Carvalhos e depois transferiu-se para o FC Porto, ainda com idade de junior. Nesses três anos jogou também pelos seniores. Sabia que isso ia acontecer quando rumou ao Dragão?

“Antes do Professor Magalhães ser o treinador – no ano em que ele era apenas diretor – eu já treinava pontualmente no FC Porto, enquanto jogava no Colégio dos Carvalhos. Quando me transferi tinha a perceção que iria treinar com os seniores mas não sabia se iria jogar ou não. Ainda era muito jovem mas tinha essa esperança e acabou por acontecer. Foram anos muito importantes para a minha carreira, talvez tenha precipitado um bocado as coisas. Eu era o segundo ponta, suplente do Ricardo Costa que, a dada altura, teve uma lesão algo grave que o afastou da competição durante algum tempo e eu tive a oportunidade de jogar muito mais tempo do que aquilo que seria pensado. A partir desse momento as coisas correram muito bem, tive mais tempo de jogo e tendo algum sucesso era, naturalmente, mais fácil.”

Na época 1998/99 venceu o título de campeão nacional pelo FC Porto, que há 31 anos não havia acontecido. Tinha a noção da dimensão dessa conquista para o clube?

“Nessa altura, por muito que nós quiséssemos perceber o que estava a acontecer, éramos ainda muito jovens. Eu tive a oportunidade de jogar mais do que o previsto no final dessa época e dei a minha cota parte para a conquista desse título mas era muito novo. Ou seja, vivemos a festa e celebrámos muitíssimo mas não sei se tinha a perceção da importância desse título para o FC Porto. Eu e os mais jovens.”

A competitividade com o Ricardo Costa, permitiu-lhe crescer como jogador?

“Claro que sim. O Ricardo era mais velho do que eu mas também era jovem e, nesse sentido, acho que foi importante para os dois haver essa competitividade. Para ele foi importante porque sentiu que tinha que fazer mais e melhor, ser mais competente para jogar e, ao mesmo tempo, eu também tinha ao meu lado o melhor ponta nacional a quem eu queria ganhar minutos de jogo. Obviamente que qualquer atleta, que seja competitivo, gosta de jogar e não de estar no banco (risos). Não faz sentido para nenhum atleta treinar e depois não jogar, pelo menos foi sempre assim que pensei.”

Foi também nessa altura que começou a ser convocado para a Seleção Nacional com maior regularidade. Recorda-se da primeira chamada à Seleção?

“Recordo-me do primeiro jogo, porque foi algo marcante para mim. Foi em Paris, contra a França num torneio e o pavilhão estava completamente cheio. Ainda jogava o Jackson Richardson e quando ele entrou em campo fez-me pensar que estava noutra galáxia. Não me esqueço desse jogo por toda aquela envolvência, em Portugal não acontecia nada semelhante. Mesmo nas competições europeias joguei em alguns pavilhões mas nada como aquele. Estavam 13 500 pessoas a assistir àquele jogo e eu nunca tinha visto nada assim, foi impressionante.”

Fez parte do plantel do FC Porto até à época 2006/2007, altura em que se mudou para Espanha. Como é que surgiu essa oportunidade?

“A oportunidade surgiu numa altura em que o FC Porto começou a ter alguma visibilidade no estrangeiro, nós tínhamos alguns jogadores muito bons. O clube para onde eu fui jogar já tinha alguns atletas que jogaram em Portugal, como o Vladimir Petric ou o Vojislav Kraljic. Depois da transferência para o CP Almería houve um torneio de pré-época, em que essa equipa foi convidada, e terá sido nessa altura que me convidaram. Não era muito normal os atletas portugueses saírem para o estrangeiro, o Eduardo Filipe, o Ricardo Costa e o Hugo Figueira já tinham saído e depois acabei por ser eu a fazer esse caminho. Talvez pelo empresário, que representava muitos jogadores daquela equipa e teria uma boa relação com o presidente. Outro fator foi o facto do treinador, Alejandro Lopéz, que era galego, conhecer-me bem por causa dos torneios de pré-época e jogos amigáveis que fazíamos com as equipas da galiza. Uma coisa juntou-se a outra, ele também gostava muito de mim como atleta e insistiu para eu ir.”

Que importância teve essa experiência na Liga Asobal na sua carreira?

“Foi muitíssimo importante. Naquela altura a Liga Asobal era uma das duas melhores do mundo onde jogou o Ivano Balic, os melhores jogadores e guarda-redes do mundo estavam lá. Espanha tinha mais facilidade em contratar do que a Alemanha devido à qualidade de vida e estes atletas sérvios e croatas gostavam daquele país. A liga era fortíssima, eu tinha alguma importância na equipa que, embora fosse forte, nunca ocupava os lugares cimeiros. Em Espanha as equipas eram, praticamente, todas fortes e eu acho que o que distinguia as de topo para as restantes era o número de jogadores que tinham. Porque o campeonato era muito duro, com muitas viagens, longas horas de autocarro e as formações que conseguiam ter dois atletas muito bons por posição distinguiam-se das outras. Os jogos eram extremamente equilibrados e, naturalmente, jogar numa liga forte com atletas bons também valoriza e enriquece o jogo de quem participa.”

Ao fim de três anos em Espanha aconteceu o regresso a Portugal. O que é que contribuiu para que não permanecesse mais tempo naquele país?

“Em Espanha as coisas correram muito bem, desportivamente, mas a nível económico já não foi assim, infelizmente. Os clubes onde eu estive passaram por dificuldades económicas, apanharam uma crise imobiliária e muito desporto naquele país estava assente nesses patrocinadores que eram construtores. O próprio Ciudad Real, que era a equipa mais forte, acabou por desapareceu porque o patrocinador que investia muitos milhões na equipa deixou de o conseguir fazer. O CP Almería não foi exceção, passou por essa dificuldade, entre outros clubes que sofreram com isso e eu depois senti a necessidade de procurar uma nova solução. O SL Benfica estava a querer construir uma boa equipa, tinha um projeto muito interessante, abordou-me e eu forcei a saída da minha equipa em Espanha, com quem ainda tinha contrato por mais dois anos. Já tinha muitos meses de salários em atraso.”

Quando regressou a Portugal vestiu as cores do SL Benfica. Foi uma mudança fácil para um clube rival do FC Porto?

“Acho que um atleta profissional não tem que pensar nesse tipo de coisas, nem o faz, na minha opinião. Era a minha profissão e o que punha dinheiro na minha conta para eu poder comprar a comida para a minha família, por isso, acho que foi uma mudança normal. O que me interessava era um bom contrato, naturalmente, estabilidade e sabia que o SL Benfica podia dar-me isso. Era um clube extremamente forte, já tinha sido campeão em anos anteriores, tinha um projeto muito interessante e era orientado por um treinador que eu aprecio. A decisão foi fácil, acabei por ir para o SL Benfica, como podia ter ido para outro clube igualmente forte mas foi esse clube que fez a proposta mais interessante.”

Na reta final da sua carreira jogou quase dois anos no ABC. Porquê que decidiu dar esse passo?

“Nessa altura eu já tinha deixado de jogar, por isso é que estive lá pouco tempo. Quando não renovei no SL Benfica tinha a proposta do ABC mas entendi que deveria começar a pensar no meu futuro pós-andebol e comecei a trabalhar na empresa onde ainda hoje pertenço. Mas ao fim de alguns meses senti que faltava alguma coisa e que ainda podia ajudar, também sabia que o ABC tinha algumas lesões na minha posição e alguns jogadores muitos jovens. Eu tinha – e tenho – uma excelente relação com o Carlos Resende, que era o treinador na altura e é meu amigo pessoal e depois de falarmos eu acabei por voltar a jogar. No fim dos primeiros três meses a época terminou e eu nem sabia se ía continuar ou não, mas no início da época seguinte, o engenheiro Luís Teles abordou-me novamente e eu fiquei mais um ano. Ainda bem que assim foi porque ainda conseguimos vencer uma Taça de Portugal. Foi uma experiência muito importante para mim porque sentia que ainda podia dar o meu contributo à equipa e as coisas correram bem, no ano a seguir o ABC conseguiu até ser campeão nacional e eu senti que tive alguma influência nessa conquista também.”

Contabiliza quase 150 internacionalizações por Portugal. Fazendo uma retrospectiva, sente que o seu caminho foi gratificante com a camisola da Seleção Nacional?

“Sim. Eu acabei por jogar muito, houve alguns anos em que eu gostava que as coisas tivessem sido diferentes, acho que podíamos ter feito mais mas nunca foi possível. Entrámos ali numa espiral negativa e difícil de sair, com qualificações muito complicadas contra equipas de topo e quando deixámos de estar naquele grupo dos mais fortes é difícil voltar lá. Felizmente, só este ano é que o conseguimos fazer e com muito sucesso. Fico muito contente por isso.”

Qual foi o momento mais alto ao serviço da Seleção Nacional?

“Posso dizer que terá sido o início. Lembro-me do Europeu da Suécia em que nessa altura tínhamos uma equipa muito forte, que na Croácia tinha obtido a melhor classificação de sempre até há pouco tempo. Não estive no Mundial de França em 2001 mas no ano seguinte fui convocado para esse Europeu que me marcou por ser o primeiro e porque, pessoalmente, correu-me bastante bem e fiz alguns jogos muito interessantes.”

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Atualmente joga na equipa Masters Andebol do Porto, desde que se retirou a nível profissional. Sentiu que era uma necessidade continuar ligado ao andebol de alguma forma?

“Eu quando deixei de jogar a primeira vez, antes de ir para o ABC, fazia-me falta a competição. Nesta situação foi ligeiramente diferente, eu queria voltar a jogar pelo simples facto de gostar muito da modalidade. Esta equipa estava criada, praticamente toda composta por ex-jogadores do FC Porto e pareceu-me natural juntar-me a eles. Enquanto para quem gosta futebol é muito fácil encontrar um grupo de amigos para jogar ao fim-de-semana, no andebol não é assim. Felizmente, com esta criação dos Masters e tornando a coisa mais oficial também dá algumas garantias. Numa idade em que as lesões até aparecem com mais facilidade, é sempre bom saber que sendo um campeonato oficial as pessoas têm muito mais cuidados. Eu ainda me sinto bastante fisicamente (risos), não treino com a regularidade que treinava, obviamente, é quase impossível um altleta manter o nível de treino que tinha quando era profissional. Já tenho mais uns quilinhos, mas continuo a treinar com alguma regularidade e sinto-me bem, por isso é que ainda nem pensei no dia que meu vou retirar. Estamos agora parados há alguns meses, por causa desta situação da Covid-19 e espero que se resolva rápido.”

Como é que avalia o 6.º lugar de Portugal no Euro 2020?

“Foi brilhante. Quem disser que esperava isto, está a mentir, na minha opinião. Eu penso que o facto de nos qualificarmos primeiro e termos ganho à França na qualificação foi um sinal de que algo de muito bom estava para vir. E o que aconteceu no Campeonato da Europa foi muito melhor e superou todas as expetativas. No entanto, durante a competição sempre que conseguia ver os jogos senti, muitas vezes, que ainda podíamos ter feito melhor. Mas foi uma participação sensacional e o resultado disto é excepcional, permite-nos estar numa inédita qualificação Olímpica.”

Este resultado no Euro 2020 dá garantias para um futuro cada vez mais positivo para a Seleção Nacional?

“Eu penso que sim, claro que o trabalho tem que continuar a ser bem feito. Este resultado tem um cunho muito grande de alguém a quem eu tenho que dar valor que é o professor José Magalhães. Já desde há muitos anos que ele tem conseguido juntar uma quantidade de atletas que fazem a diferença. Esta equipa tem muitos jogadores do FC Porto e acho que é de realçar isso. O próprio selecionador nacional foi lançado no clube pelo professor José Magalhães, onde foi campeão, é preciso não esquecer isto. Ou seja, há aqui um trabalho que tem vindo a ser bem feito por toda a gente, este grupo é inacreditável, há muito mérito por parte da Federação por ter contratado o selecionador e ter conseguido naturalizar alguns jogadores que fazem a diferença e há também um trabalho muito importante do professor José Magalhães.”

Partilhou a posição com o Ricardo Costa e a qualidade estava à vista de todos. Olhando para a dupla que representou Portugal no Euro 2020 (António Areia e Pedro Portela), vê algumas semelhanças estes e a dupla David Tavares/Ricardo Costa?

“São todos muito diferentes. O Ricardo Costa era muito mais combativo e eu era um jogador mais calmo e focado, talvez. Acho que fazíamos uma boa dupla por essa mesma diferença. O António Areia e o Pedro Portela são dois jogadores excecionais, com quem eu tive a oportunidade de jogar porque eu estou aqui no meio das gerações (risos). Tive a oportunidade de partilhar a posição com o Areia no SL Benfica e sempre percebi que ele tinha grandes qualidades. Ele era muito jovem mas desde que eu saí ele assumiu com naturalidade essa posição e com muito sucesso. E o Portela sempre foi muito bom, com muita experiência de jogar desde muito novo no Sporting CP, com muita responsabilidade. Eu até diria que se houve uma posição em Portugal em que nós fomos sempre muito bons elementos foi nas pontas, não só na direita mas também na esquerda. Nunca foi pelas pontas que nós não tivéssemos mais sucesso porque quem lá esteve foram sempre jogadores de top mundial.”

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