Virgínia Ganau: “Para ser um exemplo é preciso fazer mais do que dizer”

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Antiga guarda-redes da Seleção Nacional, primeira jogadora em Portugal a ir jogar para o estrangeiro, fez uma viagem ao passado e recordou os momentos altos da sua carreira.

Virgínia Ganau é vista por muitos como a melhor guarda-redes portuguesa de sempre. Um estatuto que foi conquistado ao longo de uma carreira recheada de títulos. Viveu os melhores anos ao serviço do Madeira SAD e pelo meio passou pelo campeonato francês, antes de rumar ao Gil Eanes. Ao serviço da Seleção Nacional contabiliza um total de 163 internacionalizações, 124 delas a nível senior. Virgínia Ganau é a sexta atleta mais internacional de sempre por Portugal e fez parte da Geração de Ouro, que participou de fora inédita no Campeonato da Europa de 2008, no escalão senior.

Passado: A melhor de sempre aos olhos de muitos

Antes de mais, quando começou a jogar andebol optou por ser guarda-redes ou foi orientada nesse sentido?

“Foi uma opção, fui eu que pedi para ir jogar para a baliza. Eu sempre pratiquei desporto desde pequena no clube da minha terra, o Vilafranquense, e estive na ginástica até que essa secção fechou. Entretanto, andei um pouco a saltitar. Tanto o meu tio como o meu pai eram dirigentes do clube e estavam envolvidos num dos maiores torneios de andebol, na altura, o Xira Cup, e perguntaram-me se eu não queria experimentar a modalidade. Eu disse que sim, mas a verdade é que eu era um pouco preguiçosa e nunca gostei de correr, ainda hoje é assim (risos) e mesmo na escola, em Educação Física, pedia para ir à baliza. Por isso, ter sido guarda-redes foi mesmo uma opção, eu gostava e acabei por juntar a preguiça de correr com o gosto de estar na baliza. Acho que não me enganei com a opção que tomei.”

Começou a jogar no Liceu Camões e foi uma das atletas “lançadas” pela Fátima Monge da Silva. Que importância teve esta pessoa na sua carreira?

“A Fá, como toda a gente a trata, foi uma peça fundamental, foi ela que criou em mim todos os alicerces para eu conseguir construir uma carreira desportiva com cabeça, tronco e membros. Ela teve influência na parte desportiva mas também moldou a minha personalidade. Eu conheci a Fátima quando tinha 16 anos, é uma pessoa que tem imensos valores e consegue-os transmitir como pessoa e como treinadora. Isso foi fundamental para o meu crescimento como atleta e como pessoa. Muito da atleta que eu fui e da pessoa que sou hoje devo à Fá.”

Durante três anos saiu para o estrangeiro para ingressar no Campeonato Francês. Como é que surgiu essa proposta?

“Eu fui um pouco às escuras, confesso. Fui a primeira atleta a ir jogar para o estrangeiro e não sabia o que me esperava. Mas fiz uma boa escolha, tive sorte pelo contacto que recebi porque o país em questão é, há muitos anos, uma das potências do andebol Europeu e Mundial. Eu assinei contrato com o Freury Les Aubrais, uma equipa da segunda divisão que ambicionava subir à primeira. Conseguimos essa subida e tanto a segunda como a primeira são extremamente competitivas, o último classificado pode ganhar ao primeiro. Por isso, acho que foi o salto que eu precisava na minha carreira por toda a experiência que eu adquiri a jogar em França. Porque a competitividade obriga a que, todos os dias, as atletas e os clubes se superem e se queremos ganhar aos melhores temos que treinar com os melhores. Foi, sem dúvida alguma, uma fase muito importante na minha carreira e que me marcou, deu-me experiência não só quando regressei a Portugal mas também a nível da Seleção Nacional.”

Estava preparada para esse desafio?

“Na altura eu tinha 20 ou 21 anos e acho que não pensei muito, recebi o convite e não havia alguém a quem eu pudesse perguntar como é que era jogar no estrangeiro nem que o me esperava. Acho que os próprios treinadores perceberam isso, porque o primeiro contacto foi feito através da Federação e eles tiveram uma grande preocupação – que é algo que já acontece há muitos anos no andebol francês – devido a uma grande estrutura. Eu pude continuar lá os meus estudos, a ligação permanente entre clubes e Seleção, há todo um envolvimento, que existe de base no andebol francês e que foi fundamental para que as coisas corressem bem, mesmo eu indo às escuras.”

Regressou a Portugal para representar o Gil Eanes. Quais foram as razões para essa mudança?

“A verdade é que eu tinha 23 ou 24 anos quando regressei e não via o andebol como uma profissão. Continuava a ser uma grande paixão e uma coisa muito importante na minha vida que eu queria conciliar com tudo o resto, se pudesse. Enquanto lá estive fiz um bacharelato mas eu queria tirar uma licenciatura, estudar e estar mais perto da família e não conseguia conciliar tudo estando fora. Senti que deveria continuar os meus estudos em Portugal, tanto é que, quando eu regressei, nem pensava em jogar até que recebi o convite do Gil Eanes. Foi também por isso que eu optei voltar a Portugal.”

Nesse percurso chegou às meias finais da Taça Challenge. Lembra-se dessa campanha europeia?

“Lembro-me muito bem dos anos que eu passei no Gil Eanes e dessa época particularmente. É um clube como o Liceu Camões, a estrutura é escolar e familiar e nós não tínhamos grandes ambições, queríamos fazer o melhor possível em todas as frentes. A primeira época correu muito bem, conseguimos o apuramento para uma competição europeia e na segunda fizemos essa grande campanha na Taça Challenge. No início nem houve grande euforia por participarmos nas competições europeias e nunca pensámos que iríamos fazer o que fizemos. Fomos indo passo a passo e, quando percebemos que podíamos realmente fazer história, as coisas já mudaram de figura. Fizemos o melhor possível, atingimos as meias finais e perdemos contra uma equipa alemã que tinha sido 2.ª ou 3.ª classificada do campeonato na altura. Foi uma excelente campanha e uma experiência inesquecível.”

Com 163 internacionalizações em todos os escalões, é das mais internacionais de sempre por Portugal. Ter participado no Campeonato da Europa em 2008 foi o momento mais alto da carreira?

“Devo dizer que sim, a nível de competições ao serviço da Seleção Nacional. Foi esse momento e também a participação no Campeonato do Mundo de Juniores, na Costa do Marfim, em 1997. Até hoje, a nível senior, o Europeu de 2008 foi a única fase final em que uma Seleção Nacional conseguiu estar presente e espero que as próximas gerações consigam fazer o mesmo, em Europeus e Mundiais, é um bom sinal para o andebol português.”

Como é que viveu todo esse processo em 2008, desde a qualificação até à presença na Fase Final do Campeonato da Europa?

“O processo de qualificação foi mais emotivo do que a participação na Fase Final em si. A Fase Final não foi um dos nossos melhores momentos mas o apuramento sim. Lembro-me perfeitamente da eliminatória com a Polónia, em que perdemos por 9 golos de diferença fora de casa e já ninguém nos dava como apuradas, e depois conseguimos uma reviravolta tremenda e ganhamos por 11 golos em Gaia. Foi uma emoção extremamente grande. Volto a dizer que o apuramento foi muito mais importante do que a participação na Fase Final porque acho que toda a nossa estrutura não estava preparada para uma Fase Final de um Europeu.”

Sente que o sucesso da sua carreira também se deve ao facto de fazer parte dessa dita Geração de Ouro?

“Talvez. Eu acho que é indissociável porque da nossa geração, que conseguiu estar na Fase Final do Mundial de Juniores em 1997, seis ou sete atletas ainda estiveram presente no apuramento para o Europeu de 2008, mais de 10 anos depois. Eu acho que quando jogamos e treinamos com as melhores, é mais fácil dar os passos para chegar ao topo e eu tive a sorte de pertencer a essa geração e, até ao final da minha carreira, partilhar os campos de andebol com excelentes jogadoras que vão marcar para sempre a história do andebol português.”

Foi no Madeira SAD que passou a maior parte da carreira e onde conquistou muitos títulos. De todos os momentos altos que passou ao serviço desse clube, há algum ou alguns que não consegue esquecer?

“Sobretudo a última época, quando eu decidi que iria deixar de jogar. Foram momentos muito complicados e essa foi uma época que me marcou. Nós fizemos deslocações ao continente com apenas oito ou nove atletas, eu própria tive que sair da baliza e jogar à frente num dos jogos porque não tínhamos jogadoras de campo suficientes, foi uma temporada extremamente difícil. Mas teve um sabor muito doce no final, o facto de eu poder despedir-me com o título nas mãos.”

Como é que foi o processo de terminar a carreira nessa época de 2011/2012?

“Eu ainda me sentia com capacidade para jogar mais dois ou três anos sem qualquer problema, mas chegou um momento em que comecei a pensar para além do andebol. Durante muitos anos esta modalidade foi só uma paixão, depois foi uma prioridade e foi sempre muito difícil conciliar o andebol com os estudos, numa primeira fase, e depois com a vida profissional. O facto de eu ter andado sempre muito fora da minha zona de conforto também fez com que eu abdicasse de muita coisa a nível pessoal, já estava um pouco cansada e senti que estava na altura de eu ter tempo para mim. No início dessa época já tinha dito aos dirigentes do Madeira SAD que aquele seria o meu último ano como jogadora, foi uma coisa pensada e, por isso, a despedida não me custou tanto.”

Dois anos depois de ter deixado de jogar regressou para a ajudar o Madeira SAD em alguns jogos. Tinha as condições necessárias para voltar?

“Não não (risos). Esse foi um regresso mesmo para “tapar um buraco”, é literalmente esta a melhor expressão. Eu estava a dar treinos de guarda-redes no clube e muitas circunstâncias levaram a que todas as jogadoras daquela posição estivessem lesionadas, eles não tinham mesmo ninguém para ir à baliza, pelo menos por um jogo. E entre eu dar uma ajuda e o clube levar falta de comparência ou ter outros problemas, a opção foi eu fazer aquele jogo. Não foi um regresso nada pensado e até deveria ter sido evitado (risos), mas as circunstâncias levaram a que eu fizesse aquele jogo, apenas isso.”

Presente: Longe da modalidade mas sempre um exemplo

Foi treinadora de guarda-redes no Madeira SAD durante três épocas. O facto de ser considerada por muita gente a melhor guarda redes portuguesa de sempre fez com que se sentisse na obrigação de transmitir às atletas mais jovens toda a experiência e sabedoria do jogo?

“Sim, nós acabamos sempre por sentir essa responsabilidade. Eu senti muito isso, não tanto por toda a minha carreira mas, principalmente, para poder ser um exemplo. Acho que, para o ser, mais do que dizer é preciso fazer e elas já tinham tido um bom exemplo enquanto eu estive no ativo e tentei apenas continuar a sê-lo enquanto treinadora. Penso que consegui, pelo menos todas elas agradecem e recordam esses momentos, mas foi apenas uma continuação do trabalho.”

Mesmo estando afastada da modalidade, tem acompanhado o momento atual das Seleções Nacionais?

“Tento acompanhar sempre que posso. Acompanhei recentemente a campanha da Seleção masculina no Euro 2020. Há males que vêm por bem e conseguimos agora o apuramento para o Mundial.”

Que sentimento tem para si este 6.º lugar no Campeonato da Europa 2020?

“Como ex-atleta da Seleção Nacional, é um orgulho enorme. Acho que é um resultado de um investimento que tem vindo a ser feito de base. Conseguiu-se conciliar muitos valores e personalidades diferentes que criaram uma equipa fantástica e que conseguiu os resultados fantásticos que todos vemos e queremos que surjam muito mais vezes.”

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