Ana Miriam Sousa: “O meu maior objetivo sempre foi ser profissional de andebol”

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Antiga lateral da Seleção Nacional passou praticamente toda a carreira em campeonatos estrangeiros e soma quase 200 jogos ao serviço de Portugal, em todos os escalões.

Deixou o campeonato português depois de duas épocas de alto nível, no Madeira SAD, e nunca mais regressou a Portugal. Ana Miriam Sousa atuou no campeonato francês, italiano, esloveno, espanhol e romeno, mas foi em França onde atingiu o auge da carreira. Atualmente com 35 anos, e já longe dos pavilhões, a antiga lateral direita recordou, em entrevista, todo o seu percurso enquanto jogadora cujo ponto mais alto foi a conquista de uma Taça Challenge, em 2011/2012.

Passado: Voos mais altos

Quando é que começou a jogar andebol?

“Comecei a jogar com oito anos. Como as minhas cinco irmãs faziam todas desporto e os horários coincidiam eu ficava sozinha em casa. A sala onde praticavam andebol era mesmo atrás de minha casa, conseguia ver os treinos delas e, como não queria ficar sozinha em casa, um dia decidi ir experimentar (risos) e fiquei sempre ligada à modalidade.”

A primeira grande mudança na sua carreira desportiva foi para a Madeira. Foi uma mudança fácil?

“Antes de me mudar para a Madeira ainda fui para Algarve, mesmo que tenha sido no continente não foi uma mudança fácil porque eu estava habituada a estar em casa e que a minha mãe me fizesse praticamente tudo. Quando saí de casa fiquei sozinha, sem ela e as minhas irmãs e foi um bocado complicado. Na Madeira, a situação foi diferente, porque eu estudava no continente e ía fazer os jogos lá. De segunda a sexta-feira estudava em Lisboa, na Faculdade de Direito e, se o jogo fosse na Madeira, viajava na sexta-feira depois das aulas para fazer o último treino com a equipa e jogar ou, se fosse no continente, ía ter com a equipa ao Aeroporto de Lisboa ou do Porto. Eu não ficava sem treinar durante a semana, treinava com a equipa de juniores masculinos do Ginásio do Sul, para não correr o risco de me lesionar ou estar parada. Era jovem e tinha muito energia (risos).”

Depois de uma curta passagem pelo Madeira SAD transferiu-se logo para França, a sua primeira experiência no estrangeiro. Como é que surgiu essa oportunidade e como é que a encarou?

“Fiquei muito contente porque sempre vi muitos jogos internacionais e queria, um dia, ser profissional no andebol. Tinha colegas que eram profissionais na Madeira, outras estrangeiras que também o eram no Algarve e eu gostava mesmo de estar nesse caminho. Quando surgiu essa oportunidade sabia que tinha que a aproveitar, mesmo que isso implicasse deixar os estudos. No entanto, acabou por ser um desafio muito duro. Foi complicado porque não falava a língua, ainda que compreendesse algumas coisas, a nível de treino era muito físico e não se comparavam aos treinos em Portugal.”

Depois de um ano em França foi para Itália, onde o andebol não tem tanta expressão. Porque é que optou por aquele país?

“A minha experiência em França tinha sido muito desgastante e tive a oportunidade de ir para Itália, para um campeonato mais acessível fisicamente. Olhando de fora era um desafio mais fácil mas apenas fisicamente, porque a pressão era praticamente igual, porque somos profissionais. Quando surgiu essa oportunidade quis experimentar e estive lá dois anos.”

Mais tarde esteve um ano na Eslovénia e outro em Espanha. Foi fácil estar tão pouco tempo em cada país até essa altura?

“Tive a possibilidade de ir para a Eslovénia e acabei por encontrar um campeonato tão duro como o francês, a nível físico. Custou-me porque saí de Portugal, onde o o desgaste físico não foi assim tão evidente, para França, que era o oposto, depois fui para Itália, que se assemelha a Portugal, em termos de dureza e acabei por ir de novo para uma liga duríssima, na Eslovénia. Lá o ritmo era diferente, jogávamos na Liga dos Campeões, havia um torneio entre as equipas balcânicas, além do próprio campeonato esloveno.”

Que impacto é que tiveram todas essas mudanças na sua carreira?

“Foi um processo de crescimento, conheci novas culturas, formas de jogar andebol e novos pensamentos a nível tático. No fim de cada época eu sabia que não ía continuar no clube onde estava, porque tinha outras opções e acabou por não ser um processo desgastante. Eu sabia que ía fazer, pelo menos, uma época e talvez mudasse no final da mesma.”

Quando trocou Itália por Eslovénia, que diferenças é que sentiu mais?

“Para além do facto de ser um campeonato mais físico, como já disse, houve também o facto de o clube ter tido problemas financeiros e fizeram muita pressão para que muitas jogadoras fossem embora. Depois disso, para as jogadoras que ficaram – incluindo eu – houve ainda mais problemas porque tínhamos que ganhar quase obrigatoriamente por termos decidido ficar. Foi um pouco duro psicologicamente.”

Acabou por regressar a França onde ficou durante quatro anos e ganhou uma Taça Challenge. Recorda-se dessa conquista europeia?

“Lembro-me perfeitamente, foi incrível. A final dessa competição foi em nossa casa, tínhamos ganho o primeiro jogo fora e ganhámos também na segunda mão, foi uma festa tremenda. Até à final o nosso pensamento era jogo a jogo porque tivemos alguns jogos muito difíceis mas, à medida que íamos seguindo em frente, acreditávamos cada vez mais que era possível.”

Recentemente esteve também na Roménia. Que razões a levaram a deixar o campeonato francês onde teve tanto sucesso?

“Eu fiquei quatro anos em França, no Le Havre, depois mudei de clube e joguei dois anos no Chambray HB, porque já estava a preparar a minha retirada. Eu queria parar de jogar, então comecei a jogar andebol e a trabalhar ao mesmo, numa empresa de marroquinaria. No final desses dois anos ou parava de jogar ou ia conhecer um novo campeonato (risos), e assim foi. Percebi que não queria terminar a carreira sem experimentar outro campeonato, neste caso o da Roménia. Esse período naquele país foi diferente de todos os outros, porque não existe uma aposta grande ao nível do acompanhamento médico e então as jogadoras jogam com mais dores o que propicia a contração de lesões. Tive sorte de não me ter lesionado e foi uma boa passagem.”

É a segunda atleta com mais jogos pela Seleção Nacional de sempre. Quais foram os momentos mais altos ao serviço de Portugal?

“Quando fomos apuradas para o Campeonato da Europa, em 2008, sem dúvida. Foi excelente, ninguém acreditava em nós e mesmo nós próprias tínhamos a consciência de que era difícil, mas não tínhamos nada a perder. Passo a passo fizemos história. A nossa participação no Europeu da Macedónia foi complicada, acho que saboreámos mais a qualificação do que a Fase Final, mas foi uma grande experiência. Há outro momento que ficou gravado na minha memória, quando eu ainda era júnior e estávamos no banco de um jogo das seniores, no torneio da Holanda. Nós só queríamos apreciar a forma como as seniores jogavam, era muita pressão para nós estar ao lado delas, e devido a uma lesão da Maria Pina eu tive que entrar. Acho que nesse momento fiquei verde (risos), estava tão nervosa que a meio do jogo algumas das minhas colegas vieram falar comigo para que eu ficasse mais tranquila. Tive sempre um grande apoio das atletas mais velhas. Elas eram as melhores de Portugal e só a possibilidade de estar no treino com elas e de ser corrigida por uma das melhores centrais ou laterais do nosso país era muito gratificante.”

Presente: Longe dos pavilhões

Sempre teve o objetivo de se tornar uma referência no andebol em Portugal?

“Foi algo que foi surgindo, porque o meu objetivo maior era ser profissional. Depois de o conseguir já fiquei feliz, o facto de me ter tornado uma referência em Portugal acaba por ser uma consequência de ser uma jogadora profissional.”

Como é avalia o seu trajeto pela Seleção Nacional?

“Foi um trajeto que me fez crescer, essencialmente, porque a pressão que tinha a jogar nos clubes não a tinha a jogar pela Seleção Nacional. Ao serviço de Portugal jogávamos mais abertamente.”

Que influência teve a sua irmã (Juliana Sousa) na sua carreira?

“Teve bastante influência, porque ela era uma das melhores jogadoras portuguesas, na altura, e eu gostava da forma como ela jogava. Aprendi muito com ela, perguntava-lhe coisas técnicas como, por exemplo, como é que se fazia uma trajetória para a esquerda ou como é que defendia de uma determinada forma. Ao longo da minha carreira, sempre que tinha dúvidas falava com ela, foi uma referência para mim. Há apenas um fator inevitável que é o facto de as pessoas nos compararem sempre, que nem sempre é positivo.”

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