Carlos Resende: “Ter jogado pelo meu país é o expoente máximo que qualquer jogador pode ter”

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Antigo lateral da Seleção Nacional conta como aconteceu o crescimento repentino enquanto jogador que o levou ao topo da modalidade a nível Europeu.

Carlos Resende é considerado uma das principais referência da modalidade em Portugal. O antigo lateral esquerdo é o jogador com mais internacionalizações no escalão sénior pela Seleção Nacional e o segundo, no global de todos os escalões. O agora treinador assume-se, em entrevista, um patriota e apaixonado por conquistar títulos em Portugal tal como o fez enquanto jogador. No FC Porto cresceu como jogador, mas foi ao serviço do ABC de Braga que atingiu o patamar mais alto da carreira, tendo conquistado, por exemplo, o estatuto de melhor marcador da Liga dos Campeões durante duas épocas consecutivas. No palmarés, Carlos Resende soma 8 Campeonatos Nacionais, 6 Taças de Portugal, 4 Supertaças e 2 Taças da Liga enquanto jogador, a juntar aos mais de 250 jogos de Quinas ao Peito, em todos os escalões.

Passado: Ascensão repentina

Começou a jogar andebol no Ateneu de Madre Deus. Como é que surgiu a mudança para o Sporting CP, numa altura em que era ainda muito jovem?

“O Ateneu de Madre Deus não tinha mais escalões, era muito limitado e eu tinha duas hipóteses: deixava de jogar andebol ou mudava de clube. Na altura, equacionei a hipótese de deixar e pratiquei atletismo, fiz alguns jogos por uma equipa de futebol, mas depois uns amigos que tinham jogado andebol comigo ligaram-me a dizer que tinham ido fazer testes ao Sporting CP e tinham ficado. Eles desafiaram-me a ir também e eu fui. Foi engraçado, ao contrário daquilo que é hoje, era uma distância muito grande. No dia em que cheguei lá lembro-me perfeitamente que eram imensos miúdos para fazer o teste – hoje isso é raro acontecer – eu tive a sorte de ficar num grupo em que os meus companheiros tinham algumas dificuldades a jogar, ou seja, foi fácil sobressair e convidaram-me logo no primeiro dia para ficar.”

Em 1988, foi contratado pelo FC Porto, numa transferência envolta em algum mediatismo. Como é que encarou essa mudança?

“Eu tinha acabado de fazer 17 anos, era juvenil, quando fui convidado pelo FC Porto e era apenas um jovem e nunca tinha ido a uma Seleção Nacional. Tinha ido apenas a um projeto de Seleção Regional. Fiquei extremamente satisfeito porque quer eu, quer a minha família, temos um gosto pelo FC Porto e recordo-me de um episódio em que estava a ver a final da Liga dos Campeões de futebol com o meu pai e, na altura, falava-se que o FC Porto tinha contratado imensos jogadores de destaque no andebol, como o José Luzia, o João Santa Bárbara, jogadores que eu idolatrava. E, em jeito de brincadeira, disse ao meu pai “qualquer dia vou eu” e a verdade é que aconteceu. Passado umas semanas ligaram-me para eu ir fazer um teste e até pensei que era brincadeira, mas foi sério e aceitei.”

Afirmou-se rapidamente na equipa senior do FC Porto. Esses sete anos que passou de Dragão ao peito, foram importantes para si ao nível do crescimento e da afirmação como jogador?

“O crescimento maior deu-se logo no primeiro ano, porque tive a possibilidade de ir à Seleção Nacional de Juvenis, Juniores e Seleção A, tudo isto com 17 anos. Mas sim, esse período foi extremamente importante a todos os níveis, eu era um jovem e permitiu-me ter uma presença assídua na Seleção Nacional. Quando mudei para o ABC, passados sete anos (tinha 23 anos), já tinha um número considerável de internacionalizações e aquilo que me fez mudar foi o facto de a Federação de Andebol de Portugal ter tido uma alteração estratégica que foi a troca de treinador e o Alexander Donner acumulava funções no ABC e na Seleção Nacional. E ele disse-me que queria trabalhar comigo e, na opinião dele, podia fazer de mim um jogador melhor e isso foi um repto irrecusável da minha parte.”

Em 1994/1995 rumou ao ABC de Braga, onde atingiu o nível mais alto da carreira. Como é que define esses seis anos naquele clube?

“Foi muito interessante para mim, porque o FC Porto deu-me uma amplitude nacional e o ABC uma amplitude internacional. O ABC, para além de continuar a ter excelentes resultados internamente, tendo ido à final da Liga dos Campeões, no ano anterior, permitiu-me ser o melhor marcador dessa prova em dois anos consecutivos. Acima de tudo, permitiu-me crescer a nível internacional.”

Antes de assinar pelo ABC de Braga, já tinha essa ambição de jogar naquele clube, que dominava o andebol em Portugal?

“Não, não. Simplesmente, o ABC era aquele adversário icónico a quem nós tentávamos ganhar e não conseguiamos. Aliás, olhava para o ABC com reticências, na medida em que nós lutávamos arduamente contra aquela equipa que era um verdadeiro adversário, ponto final. Era isso que eu via naquele clube.”

Em seis anos, conquistou 5 campeonatos nacionais pelo ABC de Braga, duas Supertaças, e quatro Taças de Portugal. De todos os títulos qual é o que recorda com mais emoção?

“Todos os títulos e todas as derrotas proporcionam-nos emoções, opostas, obviamente. Desde o primeiro ao último, todos eles foram especiais na sua medida e não consigo destacar um em particular. Houve uma situação, na altura, difícil quer para o ABC quer para o Sporting CP, numa final de um play-off à melhor de cinco onde ganhámos 13-1 no 4.º jogo, se a memória não me falha, fizemos a festa de campeão e o Sporting CP protestou o jogo. Mais tarde, a minha equipa foi de férias e acabou por ser dada razão ao Sporting CP. Tivemos que repetir o jogo e até já nos faltava o central titular, que tinha já assinado por outra equipa e foi um ano complicado para todos.”

Regressou ao FC Porto e acabou por ser campeão nacional por esse clube. Era um objetivo que tinha?

“Tinha estado sete anos no FC Porto e só não ficámos no segundo lugar em todos eles porque houve um ano em que as coisas não correram muito bem. Mas tivemos sempre numa luta titânica com o ABC e nunca conseguimos vencer o Campeonato Nacional e era sempre um objetivo interessante, gostava de experimentar ter êxito também no FC Porto. Devo confessar que esse não foi o motivo principal que me levou a sair do ABC, foi sim o facto de eu já ter uma filha e queria ter, pelo menos, mais um e ficar um pouco mais perto de casa para poder ajudar a minha esposa. Mas foi curioso que, no ano em que eu saí do ABC, os dirigentes do clube desejaram-me felicidades e disseram que, a partir daquele momento, eu iria dizer adeus aos títulos e não ía ganhar mais nada (risos). Foi engraçado porque acabou por não ser verdade e ganhei títulos importantes no FC Porto.”

Porque é que nunca optou ir jogar para o estrangeiro?

“Essa pergunta é muito fácil de responder. O que me levou a não aceitar as propostas de clubes estrangeiros foi o facto de o ABC viver um momento de algum equilíbrio financeiro e eu tinha a sorte de ter um salário bastante interessante em Portugal. Por outro lado, o ABC tinha uma dimensão internacional, ou seja, com aquele clube eu podia jogar na Liga dos Campeões, podia defrontar algumas das melhores equipas do mundo e as únicas equipas estrangeiras que me convidaram não me aliciavam tanto quanto estar a lutar numa equipa portuguesa por títulos em Portugal. Eu sempre fui um pouco patriótico e admito que o prazer que tinha em jogar numa equipa portuguesa contra equipas estrangeiras e poder vencê-las, não o teria se jogasse numa equipa estrangeira.”

Como é que encarou o processo de terminar a carreira de jogador?

“De uma forma simples. Tudo na vida tem um fim e aquilo que me deu mais prazer até agora foi jogar andebol só que também tenho a consciência de que é impossível fazê-lo durante toda a vida. Naquela altura proporcionaram-se condições para que eu pudesse encetar a minha carreira enquanto treinador e eu não olhei para trás. Muitos colegas meus tinham deixado de jogar e eu aproveitei e deixei também.”

Pela Seleção Nacional contabiliza mais de 250 jogos, em todos os escalões. O que é que significam para si estes números?

“Acima de tudo indicam uma consistência. Um jogador que está assim há tanto ao serviço de uma Seleção Nacional é, pelo menos, um jogador consistente. Não sou caso único, vários jogadores da minha geração conseguiram-no e para mim, sendo patriota e ter jogado pelo meu país é o expoente máximo que qualquer jogador pode ter. Quando somos selecionados, pressupõem que, na nossa atividade, somos o melhor que há no nosso país e nem nos podemos comparar com outros jogardes de outros países porque são realidades diferentes. Todos os jogadores de andebol em Portugal tiveram condições semelhantes e com isso permitiu-me, a mim e aos meus colegas de Seleção, destacarmo-nos naquilo que eram as nossas qualidades. Tudo isto ao longo de 17 ou 18 anos.”

Qual o momento mais alto que viveu com a camisola da Seleção Nacional?

“Todos aqueles Campeonatos da Europa e do Mundo em que nós participámos, principalmente os mais recentes. Tive a oportunidade de estar em quatros Europeus e outros tantos Mundiais, se a memória não me falha, e todos eles foram interessantes porque era a hipótese que nós tínhamos de nos compararmos desportivamente com outras Seleções Nacionais. Foi também muito gratificante ver que, ao longo da minha carreira enquanto atleta, houve uma evolução notória dos resultados que Portugal foi conseguindo, isso também me deu um prazer enorme. No entanto, houve um ano desportivo que correu francamente bem para nós, portugueses e para mim em particular, porque coincidiu com o facto de termos ficado em 7.º lugar no Campeonato da Europa, que tinha um formato bastante diferente do atual em que só estavam presente 12 equipas, ou seja, chegar lá já era extraordinário. Nesse torneio fui selecionado para o 7 ideal da competição, penso que ainda é um feito inédito até agora, infelizmente para Portugal – oxalá aconteça outra vez rapidamente, uma vez que até já superamos a melhor classificação – e já tinha sido convidado para estar na Seleção da Europa. Este ano fantástico culminou com o facto de eu ser galardoado com a Medalha de Mérito Desportivo pelo nosso Estado que, para alguém patriota como eu, são situações extremamente importantes.”

Presente: O seguimento de uma carreira brilhante

Como é que olha para os resultados recentes da Seleção Nacional?

“É extremamente satisfatório, da mesma forma que, durante estes anos todos, fiquei triste por não ver o nosso país a poder ombrear com os melhores. Agora fiquei cheio de orgulho a ver a nossa equipa a jogar, ainda por cima confesso que sempre foi algo que defendi, que o treinador das Selções Nacionais devia ser também do país de origem. Aliás, não só o selecionador como também os fisioterapeutas, médicos, acho que quando se trata de Seleções Nacionais, é isso que faz todo o sentido. Ou seja, quando Portugal conseguiu o 6.º lugar, ainda por cima com um treinador português tem ainda mais valor.”

Ser treinador foi sempre um objetivo?

“Não, nunca estabeleci grandes objetivos de ser treinador, foi apenas o contexto que o proporcionou. A minha licenciatura em Gestão do Desporto. O facto de eu estar ligado ao treino veio muito no sentido de que quando eu estava a terminar a licenciatura percebi que podia dar algum contributo a ensinar. Paralelamente formei-me nesta questão de professor e ser treinador permite-me estar mais perto do campo. Até agora não tenho tido saudades de jogar andebol e isso deve-se à atividade que tenho enquanto treinador, porque se não exercesse essa atividade, teria muitas saudades.”

Considera-se um treinador mais exigente pelo facto de ter sido uma referência na modalidade?

“Penso que a exigência não é um resultado do sucesso que tivemos enquanto jogadores. A exigência está naquilo que nós colocamos no dia-a-dia na nossa atividade. Há treinadores que nunca jogaram andebol ao mais alto nível e não é por isso que não são exigentes, ou seja, isso depende de cada um. A forma como cada pessoa exterioriza a exigência também é diferente, porque por vezes associa-se a exigência a um treinador que berra ou que tem uma atitude mais autocrática, mas não, a exigência assume muitas formas e não depende do passado desportivo. Um treinador exigente não tem que ter sido um bom atleta, da mesma forma que um bom treinador não tem que ter sido um bom jogador.”

O facto das suas filhas seguirem os seus passos, deixa-o orgulhoso?

“Deixa-me orgulhoso o carácter que elas têm. A capacidade de trabalho, a responsabilidade, a persistência, a seriedade, isso sim deixa-me muito orgulhoso. Todo o empenho que elas têm e o facto de serem boas pessoas, porque é algo que eu cultivo. O facto de jogarem andebol, deixa-me satisfeito porque é mais uma hipótese que eu tenho de ver jogos de andebol, da mesma forma que iria ver jogos de outras modalidades se elas as praticassem ao invés. Considero sim que é extremamente importante praticarem desporto, que foi algo para o qual tanto eu como a minha esposa fizemos um esforço, porque é uma forma de crescimento e de formação. Para nós isso sim é um ponto de honra, se é andebol ou outra modalidade qualquer, era o menos importante.”

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