“Cautchú era o material com que eram fabricadas as bolas antigamente, ainda antes do couro.”
No último mês do ano de 2013 nascia um projeto que prometia revolucionar o desporto no concelho de Odemira. A Cautchú levou o andebol a uma região que, até então, desconhecia a modalidade e onde essa não tinha qualquer expressão. Para que não houvesse uma conotação do projeto a uma região em particular – e porque são abrangidas as três localidades mais fortes do concelho de Odemira (Odemira, São Teotónio e Vila Nova de Milfontes) – este foi o nome neutro escolhido pelos fundadores: Bruno Estrela, Alexandra Guerreiro e Pedro Almeida, atual presidente e treinador da Cautchú, que celebra sete anos de existência em 2020.
O projeto iniciou com um conjunto de profissionais, ligados ao desporto, fruto da necessidade de haver uma modalidade indoor. “Odemira não tinha nenhuma modalidade de pavilhão, só tinha atividades individuais e a nível coletivo apenas o futebol e, uma vez que havia instalações desportivas propícias a isso e sem ocupação, decidimos avançar”, conta Pedro Almeida, antigo praticante de andebol em São Pedro do Sul.
O Município de Odemira estava a seguir uma linha de auscultação com várias Federações desportivas, acabando por ser a Federação de Andebol de Portugal a que mais agradou ao Vereador do Desporto de então, Hélder Guerreiro. Pedro Almeida revela que “o processo de formação da Cautchú resultou desta sinergia e o facto de ter sido assinado um protocolo com a Federação de Andebol de Portugal foi fundamental no processo de crescimento e desenvolvimento do clube. A partir daí, temos feito um trabalho de parceria com um apoio bastante grande do município.”
O início não foi fácil, por várias razões, sendo uma delas o facto de Odemira ser o maior concelho em termos de área do país. O Presidente da Cautchú garante que os envolvidos sabiam da dificuldade que iriam ter ao escolher o andebol num concelho onde a modalidade nunca tinha tido qualquer tipo de expressão, “e não apenas por esse fator, também pelo facto de estarmos num território muito extenso e de baixa densidade e as distâncias são muito grandes, quer dentro do próprio concelho, quer do concelho para outras localidades. É isto que se passa nos escalões de infantis para cima, neste momento, um atleta infantil que seja de Vila Nova de Milfontes e queira treinar em Odemira tem que fazer 50km, o que é bastante. As distâncias são muito complicadas para nós, para irmos jogar contra o clube de andebol mais perto, que é Lagos, temos que fazer 140km, ida e volta. É uma distância enorme e é o clube mais perto, porque se formos jogar a Tavira temos que fazer mais de 270km, ida e volta. Essa é a nossa grande dificuldade atualmente”, garante.
Inicialmente, o principal entrave “foi o facto de as pessoas não perceberem muito bem o processo e entenderem que eram três polos independentes, ou seja, em alguns encontros a nível internos que fizemos pensavam que Odemira estava a jogar contra São Teotónio ou Vila Nova de Milfontes contra Odemira, etc.” e também o facto de “a cultura de andebol não estar enraizada e termos que transmitir o que era a modalidade a partir do zero, quer às crianças quer aos próprios pais. Não temos andebol a um nível superior aqui perto, para que estes jovens possam ver outros escalões mais velhos o que teria muita importância no seu processo formativo. Neste momento, os pais têm-nos ajudado muito e quase em todos os escalões têm um pai como diretor, o que nos permite ter um leque cada vez maior de pessoas à volta do clube a suportar este crescimento anual (de jogadores e de estrutura)”, refere Pedro Almeida.
Outra das dificuldades que o presidente da Cautchú destaca passa por conseguir arranjar treinadores, principalmente que ja tivessem estado ligados à modalidade. “Dos sete treinadores que nós temos, apenas dois já estiveram ligados ao andebol (eu sou um deles), os outros são professores de Educação Física, que tiraram o Grau 1 de treinador. Sentimos que precisamos de mais recursos humanos ligados à modalidade, muitos de nós temos que estar encarregues de dois escalões o que requer uma flexibilidade de tempo que nós nem sempre temos. Devido às longas distâncias é difícil, por exemplo, ir de manhã jogar a Lagoa e à tarde ter que estar em Odemira porque há um jogo de outro escalão. O nosso foco, vontade e energia vai ultrapassado todas estas dificuldades”, admite.
Umas das pessoas que teve também um peso enorme no desenvolvimento do projeto foi Délia Rodrigues, professora de Educação Física e antiga jogadora, que abordou os representantes da autarquia local e da Federação de Andebol de Portugal, praticamente na mesma altura em que surgiu a ideia da criação da Cautchú, com o intuito de incutir o andebol em Odemira e teve todo o apoio de ambas as partes. “Foi marcada uma primeira reunião com o vereador Hélder Guerreiro onde apresentei um projeto escrito para implementar o andebol e outras modalidades também em todos os locais da região. A Federação foi muito receptiva e forneceu-me kits de iniciação à modalidade e um valor mensal para arrancar com o projeto. Comecei com esse material a sensibilizar para a modalidade no âmbito das aulas de Enriquecimento Curricular”, afirma.
Paralelamente, a Cautchú estava em processo de iniciação e os esforços de ambas as partes acabaram por se juntar e trabalho em conjunto. Délia Rodrigues acabou por ser a primeira treinadora da associação e “trouxe miúdos que eram meus alunos nas AEC e acabei por aproveitar os meus recursos como treinadora e licenciada. Ajudei outros colegas que não estavam ligadas à modalidade, no sentido de corrigir alguns erros normais de iniciação ligados à parte técnica. As dificuldades passaram por incutir o andebol junto dos pais para que estes o acolhessem e respeitassem como uma modalidade válida tal como a natação, a dança ou o futebol”, acrescentou.
A Cautchú nasceu em dezembro de 2013, mas apenas em maio de 2014 arrancaram os primeiros treinos de captação e a partir de setembro desse ano teve início a primeira época desportiva como equipa federada. O primeiro jogo oficial foi em janeiro de 2015. O balanço é positivo, tal como garante o presidente da Cautchú: “Temos conseguido levar água ao nosso moinho e uma grande capacidade de angariação de jogadores, desde o primeiro minutos que estamos com escolas de formação em três localidades do concelho: Odemira, que é a sede, São Teotónio e Vila Nova de Milfontes. Nessas três escolas temos treinos dos escalões de manitas e bambis e a partir do escalão de infantis centralizamos todos os escalões em Odemira, porque é o pavilhão que tem as condições necessárias para os jogos oficiais.”
O crescimento do projeto é algo que está à vista de todos. Na primeira época, em 2014/2015, o clube iniciou funções apenas com os escalões de bambis mistos e minis femininos. Quase sete anos depois, os quadros da Cautchú contam com todos os escalões femininos até aos juvenis e todos os escalões masculinos até aos iniciados, ficando a faltar apenas juniores femininos e masculinos e juvenis masculinos para o clube abranger toda a faixa de formação. “Penso que, em cinco anos, termos conseguido este feito revela que tem havido uma aposta forte da nossa parte, uma adesão muito positiva das crianças e jovens e todos estes escalões são compostos pelos 120 jogadores federados. Se não fosse esta paragem devido à Covid-19, acreditamos que ainda conseguiríamos federar mais 10 ou 15 atletas”, revela Pedro Almeida.
Desde a época 2018/2019, a associação conta com uma equipa de andebol adaptado para atletas com deficiência intelectual, que treina com regularidade e participa em encontros pontuais. Mas há mais para além da vertente desportiva. A Cautchú tem também como objetivo fomentar a igualdade de género e, prova disso, é o facto de “atualmente, dos 120 jogadores federados, cerca de 70 são do sexo feminino, portanto, temos conseguido esta capacidade de promover a igualdade de género sendo que a parte feminina até tem estado mais forte no nosso clube”, afirma o presidente do clube.
Mariana Gonçalves, tem 15 anos e está na Cautchú quase desde o início do projeto, a jovem atleta, como muitas outras, não conhecia o andebol quando integrou o clube. Hoje, seis anos após ter começado a jogar afirma que “as bases do andebol são fáceis de aprender, o que é mais difícil é aperfeiçoá-las e tentar ser um bom jogador. Ainda tenho muitas dificuldades em alguns aspetos, principalmente na eficácia do remate, a impulsão e a resistência, porque como temos poucos jogadores, na maioria das vezes, temos que jogar praticamente o jogo todo.”
A atleta, que pertence ao escalão de juvenis, reconhece que as deslocações são difíceis para alguns colegas que não moram em Odemira, onde decorrem os treinos. “Para mim é fácil porque moro perto, mas muitas das jogadoras moram nas periferias de Odemira. O mais longe que uma jogadora mora é na Zambujeira, não é assim tão longe, mas torna-se complicado por causa das deslocações para os treinos e fica caro, são cerca de 20 minutos para cada lado. Mas temos o apoio do clube nas deslocações”, afirma.
Mariana considera que o clube tem “todas as condições necessárias, tanto financeiras como do próprio desenvolvimento do desporto”, e num pequeno balanço, desde que entrou na Cautchú, até agora nota que “temos muito mais conhecimento do que no início. Até mesmo no capítulo do jogo estamos muito mais à vontade, já nos equilibramos com muitas das equipas, antes tínhamos imensas dificuldades e sofríamos derrotas pesadas e agora não é assim, o que é fantástico. A interação das pessoas aqui da localidade têm com o andebol é diferente também, já sabem o que é e respeitam o andebol e há uma maior união entre todos”, refere a jovem atleta.
Quanto às necessidades do clube, Mariana afirma que “deveria existir mais treinadores, ainda mais pessoas da sociedade do Alentejo a apoiar este clube e mais jogadores a entrarem para o andebol, principalmente na equipa masculina.”
Em 2016/2017, Odemira recebeu a fase final de iniciados masculinos e femininos e na época seguinte, também naquele concelho, decorreu a Fase Final do Torneio das Seleções (Iniciados femininos). Iniciativas que se enquadram na estratégia da Câmara Municipal, de promoção e dinamização da modalidade, tendo esta investido um valor considerável na organização destes três eventos, em parceria com a Federação de Andebol de Portugal e com a Cautchú.
O apoio da autarquia aconteceu desde sempre. O Vereador do Desporto, na altura do começo do projeto era Hélder Guerreio e, hoje em dia, a pasta está ao cargo de Pedro Rebelo Ramos. Apesar da mudança, a linha de apoio à Cautchú foi sempre mantida e o atual vereador refere que “é inquestionável o crescimento que este projeto teve e temos mesmo que continuar a apoiar o andebol, naquilo que é sua génese.”
No âmbito do desporto, Odemira tem três modalidades estruturais para o território, tais como o BTT, a canoagem e o andebol. Hélder Guerreiro acredita que era fundamental “aliar o desporto escolar com o desporto de competição” e destaca que “desde início caminhámos sempre lado a lado e definimos que a Cautchú e o Município estavam incluídos no mesmo objetivo e, só por aí, permitiu alinhar possibilidades de suporte à modalidade.”
Ao nível de apoios concretos, a Câmara Municipal de Odemira tem regulamentado um Prémio de Atividade Desportiva, que permite um apoio regular às modalidades individuais ou coletivas. Ao mesmo tempo, e como o andebol é considerado uma modalidade estratégica para o concelho, “a Cautchú acabou por ter uma duplicação desse apoio em algumas componentes e, para além disso, ter um apoio ao nível de investimento em equipamentos desportivos e uma carrinha própria de transporte”, revela Pedro Rebelo Ramos.
A parceria entre ambas as partes mantém-se e o contacto direto com a Cautchú tem sido permanente, de tal forma que, tal como explica Pedro Rebelo Ramos, “há uma ideia de manter o que está já protocolado mas também criar mais iniciativas para dinamizar a modalidade. Infelizmente, com esta situação de pandemia, tivemos que suspender um Encontro Nacional previsto para setembro, que iria contar com vários clubes de todo o país para trazer pessoas ligadas ao andebol até Odemira e para que os jovens locais tivessem contacto com outros clubes e dinâmicas.”
O presidente da Cautchú, Pedro Almeida, garante que, nesta altura, não é prioritário pensar em formar equipas séniores e chegar a patamares mais altos do que a formação, mas não descura essa hipótese. “Neste momento, queremos crescer em termos de formação e, posteriormente, desenvolver essa vertente, ou seja, criar raízes sólidas ela como temos feito desde o primeiro dia. O nosso propósito é ir degrau a degrau e não queremos dar um passo maior do que a perna, não descoramos um dia poder ter andebol senior mas apenas quando tivermos perfeitas condições de sustentabilidade. Acreditamos que se este grupo de jogadores for crescendo e ficando no clube, o andebol senior é um fator que poderemos equacionar.”
Nos valores do projeto está, também, o aproveitamento escolar dos atletas. “Temos o cuidado de acompanhar os atletas a esse nível, por escalão, vamos percebendo como é tem sido o processo educativo de cada um e temos o gosto de ter vários jogadores que, ano após ano, são agraciados com medalhas de mérito pelo desempenho escolar. Claro que não me refiro a 100% dos atletas, mas há esse propósito. O nosso lema é ganhar para formar em detrimento do formar para ganhar. Para nós o resultado desportivo tem que ser um meio e não um fim, e usá-lo como uma ferramenta de formar jogadores, fazer com que as crianças percebam a importância do esforço para ganhar mas tirar a carga psicológica de ganhar a todo o custo. Isto faz com que eles sejam cidadãos mais adaptados às necessidades da nossa sociedade. É isso que nós queremos, criar melhores jogadores e, ao mesmo tempo, melhores cidadãos.”
Em dezembro de 2020, cumprem-se sete anos desde o início deste projeto que prometeu mudar o paradigma do desporto em Odemira. E cumpriu.