Eduardo Filipe: “É muito reconfortante saber que fiz parte da história do andebol português”

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Antigo lateral da Seleção Nacional é o mais internacional no global de todos os escalões, por Portugal e o segundo com mais internacionalizações de sempre, ao nível de seniores.

Eduardo Filipe é uma das principais referências do andebol em Portugal. O sucesso reflete-se nos 11 títulos internos, ao nível de clubes, onde brilhou ao mais alto nível pelo FC Porto, bem como ao serviço da Seleção Nacional, tendo conquistado a medalha de ouro no Europeu de sub-18 em 1992 e a medalha de bronze, no Mundial de Juniores, em 1995. O antigo lateral esquerdo conta, em entrevista, o percurso como jogador e como conciliou o andebol com outra paixão, a medicina.

Passado: Atirador nato

Começou a jogar no Colégio dos Carvalhos e transferiu-se para o FC Porto ainda muito jovem. Sentia-se preparado para assumir esse desafio?

“No início eu não fazia a mínima ideia que iria para o FC Porto. Quando comecei a jogar no Colégio dos Carvalhos, só pensava nesse clube e só no final do primeiro ano é que comecei a ter mais contacto com o FC Porto. Já conhecia muitos dos atletas desse clube, quando assinei, por causa das Seleções Regionais. Na altura, eu e o Pedro Cunha já nos encontrávamos até nas férias para treinar juntos, entre outras pessoas com quem partilhava as camisolas da Seleção Regional. A minha integração e adaptação no clube foram fáceis e o professor José Magalhães facilitou tudo ainda mais, porque estava dentro das duas estruturas, Colégio dos Carvalhos e FC Porto.”

Antes dos sete anos consecutivos que esteve ao serviço do FC Porto passou pelo ABC de Braga e pelo Boavista FC. Como é que surgiu essa mudança e porquê?

“Todas as minhas mudanças foram no sentido de ir à procura de algo mais. Quando fui para o ABC, a equipa com mais aspirações a nível nacional e internacional, queria crescer como atleta, tinha lá o melhor grupo de jogadores em Portugal e também um treinador de referência. Não me arrependo minimamente, foi um ganho muito grande a todos os níveis e um salto qualitativo considerável. No final desses dois anos, tive um novo convite do Boavista FC para integrar um projeto com um grupo muito jovem, no qual estava o professor José Magalhães, com o objetivo de fazermos aquela equipa crescer. Nós éramos, talvez, a equipa mais jovem do campeonato e ficámos em terceiro a um ponto do segundo classificado, ou seja, foi uma época fantástica no Boavista. Foi um momento em que eu queria experimentar métodos diferentes e ter ainda mais tempo de jogo do que tinha em Braga, que já era bastante mas eu ainda queria mais. Esse foi um ano de passagem, a época correu-nos muito bem e o FC Porto voltou a querer apostar em nós, atletas que já tinham pertencido aos quadros do clube. No fim dessa época, metade da equipa do Boavista FC transitou para o FC Porto e começou a construir-se, nesse momento, em 1996, o projeto que é hoje o atual do clube.”

Acabou por regressar e ficou 7 anos de Dragão ao peito. Nessa altura já se sentia uma referência no andebol em Portugal?

“Nessa altura já estava constantemente nas Seleções Nacionais, estava sempre nas listas de melhores marcadores, felizmente já começavam a aparecer alguns convites internacionais, o que me dava um estímulo grande e fazia com que eu acreditasse no meu potencial.”

Ir jogar para o estrangeiro foi algo ao qual tentou resistir devido aos estudos?

“Eu sempre tentei conciliar os estudos com o andebol. Durante os anos em que estive no FC Porto tinha a possibilidade de estar numa equipa competitiva, o meu principal foco não era a parte económica, felizmente não tinha que me preocupar tanto com isso e queria potenciar a minha qualidade e acabar o curso. Nunca o disse abertamente ao FC Porto (risos) mas intrinsecamente sabia que não iria sair enquanto não terminasse o curso e isso levou-me ir para o estrangeiro apenas em 2003/2004. Senti que a proposta para ir jogar para Espanha chegou num bom momento, mas também poderia ter sido antes, ou seja, já poderia estar há mais tempo em campeonatos daquele nível. Não me arrependi de sair só nessa altura, porque o facto de ir jogar para o estrangeiro implica ser profissional e, com um curso exigente como o meu (medicina) e com uma paragem de dois/três anos, seria extremamente difícil voltar a conseguir entrar no ritmo.”

Esteve na Liga Asobal durante três anos. Que importância teve para a sua carreira?

“O campeonato espanhol era, na altura, o melhor do mundo, indubitavelmente. Neste momento, não há nenhum campeonato que se possa comparar ao que o campeonato espanhol era nessa época. Hoje em dia, felizmente, há várias ligas muito fortes e os atletas estão mais distribuídos mas, naquela altura, a Liga Asobal tinha os quatros/cinco melhores jogadores do mundo por posto específico a atuar lá. Jogar no melhor campeonato do mundo foi extremamente aliciante para mim, a todos os níveis, pelo reconhecimento, por saber que me iria potenciar e para eu próprio também poder provar até onde eu poderia chegar. Sempre foi a minha ambição e consegui provar que era capaz tanto dentro de portas, como lá fora ao conseguir estar na lista dos melhores marcadores da Liga Asobal numa época dessas, foi extremamente valorizante. No final da primeira época houve um problema económico e eu tive que mudar de equipa nos últimos dois meses, infelizmente, não era o que eu queria mas teve que ser e até aí estava também a disputar o lugar de melhor marcador, na segunda época só joguei metade porque vinha de uma lesão do ligamento cruzado anterior e na última estive também até ao fim a lutar pelo prémio de melhor marcador da Liga Asobal com o Davor Čutura.”

Regressou a Portugal e terminou a carreira no FC Porto. Era algo que tinha como objetivo?

“Sim, porque sendo portista, é sempre bonito pensar que podemos acabar a carreira no nosso clube. Quando saí de Espanha e voltei para o FC Porto, foi num momento em que estava a ter as melhores ofertas a nível internacional, tinha bastantes propostas em cima da mesa mas tive a possibilidade de regressar e poder fazer a especialidade em Medicina Desportiva, que era uma coisa que eu também tinha mente. Após acabar a carreira gostava de ficar ligado ao desporto e, através da Medicina Desportiva, seria o ideal. Consegui voltar ao FC Porto, ajudar o clube a regressar as vitórias – porque acabámos por formar uma equipa nova e foi aí que arrancou o heptacampeonato – e é algo que me deixa feliz quando olho para trás. Ainda no FC Porto, tinha deixado de jogar e passei a ser Médico do andebol junto com o futebol de formação e, passados dois anos de eu ter terminado a carreira, ainda joguei mais uma época e vencemos o título.”

É o jogador com mais internacionalizações de sempre por Portugal, com um total de 271 jogos (202 Seleção A). O que é que significam para si estes números?

“Significa que tive a oportunidade de representar muitas vezes o nosso país, grande parte delas com sucesso e com títulos. Conseguimos estar presentes em muitas fases finais e tive a oportunidade de estar presente num processo de evolução do andebol português, ou seja, quando integrei as Seleções estávamos no considerado Grupo C e passámos para o Grupo A onde permanecemos durante muitos anos. Felizmente, agora voltámos e é muito reconfortante olhar para trás e saber que tive o privilégio de fazer parte da história do andebol português.”

De todas as fases finais de grandes competições que esteve presente por Portugal, quais foram as que mais o marcaram?

“Tive várias fases. Um grande ponto de referência foi termos sido Campeões da Europa de sub-18, na Suíça, com uma geração que conseguiu dar o salto e ajudar a marcar um ponto de viragem no andebol português. Depois começou a ser uma constante e um crescendo e, juntamente com a geração que vinha atrás, conseguimos ser medalha de bronze no Mundial da Argentina, em 1995. Toda essa sequência marcou-me. Com essas gerações a juntar a outras mais velhas conseguimos o apuramento para o primeiro Campeonato do Mundo de seniores, em 1997, no Japão. Foi fundamental a evolução em termos do trabalho de base e depois, a melhor classificação dessas gerações foi o 7.º lugar na Croácia, em 2000.

Curiosamente, os dois jogadores com mais internacionalizações de sempre por Portugal foram laterais esquerdos, o Eduardo e o Carlos Resende. Como é que viveu essa rivalidade?

“Muito bem. Eu não me lembro de ter um momento de tensão com ele, nós sempre tivemos uma relação muito próxima de amizade. Quando o Carlos Resende veio de Lisboa para o Porto, ficou em nossa casa durante um mês e meio, fomos a primeira família com quem ele esteve cá no Porto. A partir daí, houve um vínculo grande em termos de amizade entre nós, que dura para sempre. Isso depois refletia-se nos jogos, nos treinos, em tudo. Apesar de disputarmos a mesma posição, em termos de relação de amizade e companheirismo nunca se refletiu.”

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Num exercício de imaginação, como é que seria o Eduardo Filipe no seu auge no andebol atual?

“É um exercício difícil (risos). Eu acho que me conseguiria adaptar porque a minha forma de jogar já era muito parecida com o que acontece hoje em dia. Gostava de jogar em velocidade, era um jogador que defendia e atacava, o que se conjuga com o modelo atual em que não há tanto tempo para haver trocas defesa/ataque dada a velocidade do jogo. Acho que iria gostar de jogar hoje em dia (risos).”

Continua a acompanhar o andebol em Portugal, em particular a participação da Seleção Nacional no Euro 2020?

“Foi incrível, o resultado fala por si. Conseguimos eliminar, numa fase inicial França e depois ganhar à Suécia em casa deles, são resultados que demonstram o nível fantástico em que nós estamos. Já a nível de clubes isso vinha sendo comprovado, tanto o FC Porto como o Sporting CP têm feito excelentes campanhas na Europa, o que depois se reflete ao nível das Seleções. O trabalho dos clubes tem uma influência muito grande nos resultados das Seleções e o facto de conseguirmos ter os nossos jogadores a atuar ao mais alto nível, durante o ano inteiro, vai fazer com que eles cresçam imenso. Neste momento, temos uma Seleção muito completa. É forte tanto no ataque como na defesa e com um grande poder de choque, porque num Europeu é muito importante ter várias soluções e capacidade de aguentar todo o jogo ao mais alto nível. Nas gerações anteriores isso era uma das dificuldades, manter essa consistência, porque chegávamos às fases intermédias dessas competições e a Seleção estava já fisicamente muito desgastada.”

Tendo ocupado a posição de lateral esquerdo ao longo da carreira, considera que Portugal está bem servido nessa posição?

“Acho que sim. Temos jovens com grande potencial, houve uma fase em que tínhamos muito mais pontas e mais dificuldades na primeira linha e agora não é assim, temos qualidade e potencial como é o caso do André Gomes e do Alexandre Cavalcanti. Depois há as gerações mais novas em que temos o Martim Costa, o Salvador Salvador, temos boas perspectivas para a nossa primeira linha no futuro, felizmente.”

Depois de se retirar focou-se a tempo inteiro da medicina? 

“Sim. Houve dois anos em que estive ligado à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, a dar aulas mas depois a parte clínica absorveu-me o tempo por completo e, neste momento, só exerço medicina mesmo.”

Como é que está a encarar esta situação atual de pandemia, sendo um profissional de saúde?

“Estou expectante. Sei que ainda há muito por conhecer, é um vírus novo, acho que fizemos muita coisa bem feita e resta-nos saber se as pessoas estarão preparadas para regressar ao dia-a-dia. Vai ser fundamental regressar obedecendo a regras e não pensar que será um regresso em sociedade igual ao que foi até aqui. Se fizermos o regresso dessa forma corremos o risco de uma segunda vaga, que não é o que nós queremos.”

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