OPINIÃO | José António Silva: “A propósito do Mundial sub-20…”

Selecionador Nacional escreve sobre a obtenção do mais recente e histórico 5.º lugar no 2024 IHF Women’s U20 World Championship, bem como as condições necessárias para a evolução do Andebol feminino.

Dois dias após terminarmos o Campeonato do Mundo de sub-20, é importante tornar pública uma pequena reflexão acerca da nossa participação. São apenas alguns aspetos que considero mais relevantes, já que está a ser realizada uma análise mais detalhada para que possamos, eventualmente, redefinir objetivos e procedimentos.

Num primeiro momento, dirigi as minhas palavras de agradecimento para a nossa estrutura que tanto tem trabalhado para melhorar a qualidade da nossa prestação. Agora, creio que é o tempo certo para realçar o contributo dos Clubes, dos seus Treinadores e Dirigentes, porque é a eles que as atletas devem a possibilidade de praticar a modalidade de que todos gostamos. Sem o trabalho diário destas instituições e pessoas, esta performance não seria possível. Sabemos das dificuldades que os Clubes enfrentam, mas para que consigamos continuar a nossa evolução, é necessário fazer mais e melhor. Pela minha parte, coloco-me à disposição de ajudar no que for possível no âmbito das minhas funções.

Participação na competição

Terminar esta competição com um 5.º lugar é algo que nos deixa orgulhosos, cientes da responsabilidade que cria e com a ambição de continuarmos a progredir. Fizemos um percurso bem conseguido, não isento de percalços e que deve ser classificado como excelente. De facto, nesta competição obtivemos seis vitórias, um empate e uma derrota. Temos noção que alguns dos resultados positivos eram obrigatórios, mas outras vitórias foram alcançadas contra potências da modalidade, o que naturalmente realça essa performance. Mas neste breve balanço importa também refletir acerca da derrota que sofremos com a Dinamarca, procurando encontrar as razões que a determinaram. Temos falado bastante acerca desta situação e é muito difícil encontrar uma razão única para explicar uma derrota tão pesada e totalmente inesperada, que teve origem, na minha opinião, numa “tempestade perfeita”.

Já nos questionámos acerca de tudo o que rodeou esse jogo e temos dúvidas por esclarecer:

– Será que o facto de não termos conseguido treinar na véspera influenciou o nosso desempenho? Fizemos apenas trabalho de ginásio porque não havia pavilhão num horário aceitável.

– Que peso teve a ausência do treino matinal que habitualmente fazemos?

– Fizemos a preparação certa? Foi igual à dos restantes jogos, mas deveria ter sido diferente?

Há, no entanto, duas questões que nos parecem óbvias e que foram decisivas:

– As jogadoras da equipa adversária num ano evoluíram imenso, particularmente na questão física, ao contrário das nossas.

– O facto do nosso aquecimento ter tido apenas cerca de 15 minutos devido ao atraso do jogo anterior. Devíamos ter feito valer os nossos argumentos junto da organização e não permitir que a pressão que eles exerceram prejudicasse a nossa preparação para o jogo. 

Consequência ou não destas questões, o que é certo é que entramos muito mal no jogo, e depois não conseguimos, ou não consegui, inverter o rumo dos acontecimentos, redundando numa derrota pesadíssima (a maior em toda a minha carreira) e que pelo seu percurso esta equipa não merecia.

Deste jogo a única coisa positiva (e não é pouco…) que se consegue tirar é o facto da equipa ter recuperado rapidamente e obtido duas excelentes vitórias nos jogos seguintes. Como certamente reconhecerão, muitas equipas depois de um resultado tão pesado e que deixou marcas bem visíveis, facilmente entrariam numa espiral depressiva com consequências para o rendimento. Não foi o que aconteceu. E para que isso se verificasse beneficiámos do facto de termos uma verdadeira equipa, em que todos assumem as suas funções e responsabilidades. É de destacar também o facto das atletas terem demonstrado uma confiança absoluta na liderança, focando-se no que é essencial e sem procurar ou inventar desculpas, demostrando uma maturidade que muitos (atletas, treinadores, dirigentes e público em geral) com mais experiência e idade não conseguem. Em conjunto reagimos de uma forma extraordinária e reveladora do carácter, compromisso e ambição existentes.

Durante a competição tivemos ainda diversos problemas para conseguirmos treinar com qualidade (tempo disponível, qualidade dos pisos e distância dos pavilhões). Dentro destes, o aspeto mais penalizador foi mesmo o tempo de treino que era apenas de 45 minutos. Se no dia de jogo esta situação já coloca problemas, não se compreende como é que no dia de descanso as equipas dispunham do mesmo tempo (no Campeonato da Europa de sub-19 em 2023 tínhamos 1h30). Além disso, o treino era marcado por vezes para horas totalmente inapropriadas. No ano passado, conseguimos aproveitar o tempo de treino para acertar questões de ordem estratégica, algo que agora se revelou impossível, já que privilegiámos o trabalho para recuperar e manter a condição física.

Em resumo, penso que tivemos uma ótima participação com algumas exibições de grande nível, quer do ponto de vista individual, quer coletivo e que servem para reforçar a convicção de que estamos no caminho certo. O nosso modelo apresenta uma evolução e conseguimos, apesar do pouco tempo de trabalho, ir encontrando soluções para os problemas que os adversários nos colocam. Esperamos num futuro próximo continuar a acrescentar argumentos do ponto de vista tático, para que – assente na evolução individual das atletas – consigamos dar ainda melhores respostas em jogo.

Não seria justo neste ponto terminar sem referir mais uma vez o trabalho excecional que a minha equipa técnica desenvolveu, bem como o apoio sempre presente (fundamental nos momentos menos bons) que os mais altos dirigentes da Federação de Andebol de Portugal manifestaram e, naturalmente, o trabalho das atletas. Elas são o centro de tudo e com a sua atitude, compromisso e dedicação merecem o reconhecimento, o carinho e a proteção que lhes tento proporcionar.

O futuro

O ano passado no final do Campeonato da Europa de sub-19 alertei para o facto de que estas jovens mereciam que fossem criadas condições para continuarem a evoluir. É precisamente nestas idades que as diferenças para os nossos adversários de topo se acentuam, porque enquanto nesses casos se verifica um aumento geral da carga de treino, no caso português esta passagem significa muitas vezes a diminuição da carga existente. Quando comparamos a nossa performance atual com a do ano passado e fazemos o mesmo exercício para as atletas adversárias, fica a perceção já expressa de que estamos a perder capacidade competitiva. Renovo por isso o apelo para que se criem condições para que estas jovens possam dedicar mais tempo ao treino.

Dentro dessas condições assumem particular importância o apoio económico, técnico-tático, físico e médico.

Reforço ainda a ideia de que é decisivo que se dê a importância devida ao treino para obter uma melhoria da capacidade individual das atletas. Há atletas que estão sobrecarregadas com a responsabilidade (exagerada?) que têm de assumir na competição, o que se traduz em última análise em problemas físicos e emocionais. Por esta razão, como já referi anteriormente, tivemos dificuldade na convocatória já que não foi possível contar com todas as opções de escolha que gostaríamos. É importante que compreendamos que a competição tem um papel decisivo para a evolução das atletas, mas o treino deve continuar a ser a principal fonte de estímulos. Temos de medir a evolução delas pelo aumento da sua capacidade competitiva e, porventura, colocar em segundo plano a obtenção de resultados. Esta questão coloca-se apenas porque a maior parte destas atletas compete no escalão sénior e no Campeonato 1ª Divisão Feminina, já que se considerarmos os escalões de formação a perspetiva só pode ser essa.

No que se refere à nossa Seleção Nacional A, ainda não temos criadas todas as condições para nos batermos de igual para igual com as equipas de topo, mas com o contributo das atletas mais experientes, com a evolução previsível (assim lhes sejam dadas condições…) das atletas desta geração e com o trabalho profundo que estamos a desenvolver com as mais jovens, esperamos – dentro de alguns anos – fazer frente a qualquer equipa do mundo. Só depende de nós, das condições que teremos de necessariamente criar e dos contributos que toda a comunidade andebolística possa proporcionar. Este é um desafio de e para todos.

Patrocinadores Institucionais