“O Desporto tem todo o nosso apoio”

Artigo de Opinião do Presidente da Federação de Andebol de Portugal, Miguel Laranjeiro, no jornal Público.

Com o anunciado corte dos patrocínios às modalidades desportivas por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que até tem como slogan “O Desporto tem todo o nosso apoio”, foi levantado um problema que é crónico, não tem tido soluções duradouras e merece reflexão: o financiamento do Desporto em Portugal.

O secretário de Estado do Desporto fez bem em pedir uma reunião com a Provedora da SCML, demovendo-a dos cortes anunciados, tratando-se ainda por cima de uma entidade que é tutelada pela colega ministra do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social.

O Desporto nunca foi um desígnio no nosso país, embora tendo matriz constitucional. É histórico. Assim, não é de estranhar que tenhamos dos piores índices de atividade física e desportiva da UE e um dos piores na OCDE no que tange à obesidade e excesso de peso. Aceitamos mortes antecipadas sem um sobressalto cívico.

Entretanto, ao nível do financiamento estatal da atividade desportiva, ainda não atingimos os valores anteriores ao tempo da troika. Esta ainda não saiu definitivamente do Desporto e precisamos urgentemente de virar esta página para nos aproximarmos de valores mais consentâneos com os melhores padrões europeus. A falta de desígnio vê-se também na inexistência de verbas para o setor no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). 

Importa realçar que o Desporto dá muito mais ao país do que os governos têm dado ao Desporto. Se todas as atividades fossem assim, seríamos um paraíso de país.

Temos de olhar para o financiamento e valorizar a diversidade desportiva. Ao deixar ir à bolina da realidade, vamos caminhando para uma unicidade desportiva (mais ou menos aprofundada), o que contraria princípios que todos defendemos, como a igualdade de oportunidades ou a diversidade desportiva. O Estado tem aqui um papel central. Ninguém o pode ou irá substituir. Se quer defender esses valores, tem de agir rapidamente, replicando, por exemplo, o modelo espanhol em que uma percentagem das receitas da Liga Profissional de Futebol é direcionada para um fundo de apoio às restantes modalidades.

Com o atual modelo, definido pelo próprio Estado (e não por qualquer Federação), a quase totalidade do financiamento anual do IPDJ vem dos valores das apostas, através dos jogos on-line. É assim criada uma imprevisibilidade gritante e de difícil gestão. Por isso o setor do Desporto (e até partidos políticos como o PCP, diga-se) têm defendido o aumento, com real significado, dos valores no próprio Orçamento do Estado. Como se vai iniciar a discussão do próximo OE, pode estar aqui uma boa oportunidade. Como sucedeu no caso do Ministério da Cultura, é esta a via principal que deve ser adotada, garantindo que o Desporto passa a valer mais do que os  0,0421% do atual OE 2023. Comparemos este valor, por exemplo, com os cerca de 2% que a Hungria, um país de dimensão semelhante ao nosso, investe anualmente.

Deve também haver coragem de olhar para os jogos on-line e aumentar a percentagem que corresponde ao Desporto. É uma discussão antiga, mas mais atual do que nunca. Sem Atletas, Clubes ou Federações, não há jogos, nem provas em que apostar. E não há transferências para o Estado. É ou não justo que parte com mais significado regresse à origem, para promover o desporto junto dos jovens?

A iniciativa privada pode e deve ser chamada a esta responsabilidade social. Não basta ter apenas intenções ou proclamações, mas para isso é necessário que seja um investimento apelativo também do ponto de vista fiscal. Espanha criou essa dinâmica na preparação dos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992 e 30 anos volvidos continua a colher frutos com resultados de exceção, na generalidade das modalidades individuais e coletivas.

Mas há mais para além do financiamento. O Desporto Escolar devia ser a porta de entrada dos jovens nas várias modalidades e é cada vez mais um funil sem chama nem entusiasmo. Um projeto que integre os clubes locais, as associações e federações desportivas, as autarquias, num movimento de proximidade e de integração. O Desporto é sempre motor de inclusão e de igualdade, e essa é a nossa responsabilidade coletiva.

Estará ainda em discussão a renovação do contrato de serviço público de Televisão. Altura para discutir a introdução de um canal de desporto, em sinal aberto, para todas as modalidades. Conteúdos não faltarão. E com a promoção do verdadeiro desporto e não com discussões estéreis. O Desporto e as diversas modalidades precisam dessa visibilidade. Também aqui poderíamos falar num apoio importante ao desporto. 

Temos sempre medo de enfrentar a mudança. É da natureza humana. Mas aqui a mudança é em nome do futuro das atuais crianças, que daqui a 30 anos vão perguntar quem estava nas instituições de poder neste país em 2023, com capacidade de decisão, pois estarão a sofrer a falta de políticas desportivas do presente.

Gostava que houvesse um sobressalto cívico. Mesmo em tempo de verão.

O que é preciso afinal? É que em Portugal o slogan “O Desporto tem todo o nosso apoio” passe a ser uma realidade no país. É que o Desporto é de “todos, todos, todos”.

Miguel Laranjeiro
Presidente da Federação de Andebol de Portugal 

Patrocinadores Institucionais